Pébola
No livro de Heinrich
Zimmer, Filosofias da Índia, São Paulo, Palas Athena, 1986, ele nos conta que a
Índia, com a sua continuidade, forma as palavras com prefixos e sufixos do
próprio sânscrito, portanto em continuidade histórica, e não como nós, que
derivamos as palavras do latim, língua romana, e do grego antigo,
incompreensíveis para nossos povos.
Na Índia Mahävira é
composto de mahänt, grande, e vira, herói, portanto grande-herói, que todo
mundo entende.
No Ocidente, se
desejamos criar uma palavra, por exemplo, BIOLOGIA, devemos tomar o radical grego BIO, vida, e o segundo elemento
de composição também grego, LOGIA, discurso, tratado, ciência, para ficar com
VIDACIÊNCIA. Só que não escrevemos vidaciência,
que as pessoas poderiam entender de pronto, mas BIOLOGIA, que é uma nova
palavra a acrescentar ao dicionário.
Acontece que
contagens mostraram que o linguajar popular se resume a cerca de 800 palavras,
e que são usadas no cotidiano no máximo 2000 delas. Não obstante, o esforço
contínuo dos intelectuais (não de todo errado) é produzir dicionários com 200,
300, 400 e até 500 mil palavras, a maioria tirada das línguas estrangeiras.
Digamos, futebol,
que vem do inglês: FOOT, pé, e BOL, bola, portanto PÉBOLA. Se originalmente
usássemos esse método, tudo teria sido mais fácil. Falaríamos CESTABOLA para
basquetebol, REDEBOLA para voleibol, MÃOBOLA para handebol e assim por diante.
O povo e as elites
não teriam suas memórias sobrecarregadas com milhares e centenas de milhares de
palavras novas.
A vergonha de ter
uma língua própria, a submissão cultural ao estrangeiro, o sentimento interno
de impotência, tudo contribuiu para isso, que sobrecarrega nossas mentes, mais
ainda agora com os termos de computação, algumas centenas ou milhares, que vem
todos do inglês.
Tudo porque alguns
acreditaram, erradamente, que nossa civilização é de fundo greco-romano, quando
nitidamente houve uma interrupção, um corte grande e prolongado. Então, essas
pessoas foram buscar naquelas línguas os elementos de formação.
Mas, embora tenhamos
uma dívida de gratidão enorme com aqueles povos, não somos romanos, nem gregos,
nem sequer europeus no Brasil, que é um amálgama, essa mistura dos nativos
indígenas, dos africanos, dos europeus, dos asiáticos, de 1,5 milhão de muçulmanos,
de 100 mil judeus – todos esses povos, especialmente o português que deu origem
à nação, vindo de outras misturas que se estendem nos séculos e milênios.
Nós não somos
latinos, no Brasil. Somos um povo novo, como viu Darci Ribeiro. Como podemos
ser latinos se 50 % são brancos, 44 % mestiços e 6 % negros? Isso porque muitos
que passam por brancos recusam-se a reconhecer a mestiçagem, que avança a ritmo
acelerado.
Poderíamos assistir
uma partida de PÉBOLA entre Flamengo e Corinthians, e estaríamos tão ou mais
felizes que numa partida de FUTEBOL.
Por quê devemos
sentir vergonha de sermos brasileiros e termos uma língua nossa mesmo? Os
dicionários poderiam ser reduzidos a 1/3, poupando considerável quantidade de
memória. Não sei se agora é tarde, em vista da nomenclatura científica, que é
internacional, e de outras dificuldades.
Em todo caso, fica a
oportunidade perdida da identidade lingüística que a Índia soube manter. Alguns
vão dizer que os hindus são pobres, miseráveis em sua maioria, e que as castas nos
mantêm separados. Certo, nem tudo é perfeito.
Imagine agora o que
NÓS teríamos conseguido fazer, se tivéssemos mantido essa continuidade linguística!
Vitória,
quarta-feira, 10 de abril de 2002.
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