quarta-feira, 28 de dezembro de 2016


Os Dentes do Inspetor

 

                            L. Sprague de Camp é, sem dúvida, notável por muitos motivos. Primeiro, escreveu impagáveis livros de FC tipo fantasia, que nos proporcionam bons momentos de diversão e humor, com grandes risadas. Segundo, logo na Nota do Autor, no seu livro Os Dentes do Inspetor ele diz: “Como resultado da Terceira Guerra Mundial os Estados Unidos se viram reduzidos a uma potência de segunda classe e a União Soviética deixou de ser potência. A liderança mundial foi tomada pelo Brasil em rápido crescimento”. É claro que a URRS desapareceu em 1991 e não houve nenhuma 3ª Guerra. Só o desaparecimento da União Soviética já garantiria a falsificação de suas propostas, além do quê, lá para dentro, ele mostra um Brasil emperrado na burocracia de fundo cultural português, quando já há alguma mudança, embora tímida.

                            Ele nasceu em 1907, nos informa uma das orelhas. Como os autores de FC e fantasia não aparecem nas enciclopédias não é possível para mim neste instante saber quando ele morreu, se morreu – mas é provável que sim. Em todo caso Asimov, que prefaciou, diz que o conheceu em 1939 (portanto, aos 32 anos) e que outros trinta e dois anos depois, por conseguinte aos 64, Sprague de Camp estava bem. A data da edição brasileira (Rio de Janeiro, Francisco Alves) é de 1976, mas não há data do original.

                            Em qualquer caso, é um livro maravilhoso, os capítulos referindo-se a períodos: 1) Os Dentes do Inspetor, 2054-2088; 2) Traje de Verão, 2104-2128; 3) Acabou, 2114-2140; 4) O Apito de Galton, 2117; 5) A Fábrica dos Biscoitos em Feitio de Animais, 2120 e 6) Vam’bora, 2135-2148.

                            Câmara foi o inventor das Viagens Espaciais, Chagas (veja que são todos nomes portugueses) é o gestor mundial (há um governo planetário), a língua universal é o português, etc. Hithafea é um hilário inspetor alienígena que vem estudar numa universidade americana (isso não mudou) e tudo é mesmo formidável, uma obra prima, uma iguaria para quem sabe degustar a palavra.

                            Há planetas alienígenas superconvincentes (com os dragões de Osíris, os ratos-macacos de Thoth, Krishna, os centauros de Vishnu, os pássaros de Ganesha), há lutas memoráveis entre os dzlierianos e seus “infames” inimigos, os romelianos. Os seres humanos são vistos como “monstros hediondos”, em termos de feiúra.

                            Quanto mais leio mais me delicio com a fina sensibilidade de Sprague de Camp. É como algo que quanto mais velho ficasse mais delicioso se mostrasse.

                            O segundo livro, Construtores de Continentes, que colocarei como uma continuação numérica, teria por capítulos: 7) Moto Contínuo, 2137, e 8) Construtores de Continentes, 2153.

                            Os seres humanos não vencem sempre, pelo contrário, ficam em algumas situações constrangedoras e vexatórias, humilhantes mesmo. Perdem feio dos alienígenas, e vencem algumas. Os alienígenas não são objeto de deboche, nem são ridicularizados ou julgados idiotas. Inventaram independentemente a propulsão espacial, têm civilizações, sociedades avançadas, letras, produção cultural de altíssimo nível, produção formidável. São gente, como devem ser. Não há guerras constantes, é um mundo perfeitamente viável.

                            Enfim, é uma ficção do mais alto nível, quase que um caso único, fora Asimov, Frank Herbert e poucos outros. É de admirar que não tenham sido filmados os dois livros e transformados em séries espantosamente profícuas. Ou talvez não, pois a grande maioria não saberia aproveitar as nuances psicológicas finíssimas, delicadíssimas, sublimes mesmos.

                            É quando leio obras assim que fico satisfeito de ser humano.

                            Infelizmente são pouquíssimas.

                            Vitória, quinta-feira, 05 de setembro de 2002.

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