Os Dentes do Inspetor
L.
Sprague de Camp é, sem dúvida, notável por muitos motivos. Primeiro, escreveu impagáveis
livros de FC tipo fantasia, que nos proporcionam bons momentos de diversão e
humor, com grandes risadas. Segundo, logo na Nota do Autor, no seu livro Os
Dentes do Inspetor ele diz: “Como resultado da Terceira Guerra Mundial os
Estados Unidos se viram reduzidos a uma potência de segunda classe e a União
Soviética deixou de ser potência. A liderança mundial foi tomada pelo Brasil em
rápido crescimento”. É claro que a URRS desapareceu em 1991 e não houve nenhuma
3ª Guerra. Só o desaparecimento da União Soviética já garantiria a falsificação
de suas propostas, além do quê, lá para dentro, ele mostra um Brasil emperrado
na burocracia de fundo cultural português, quando já há alguma mudança, embora
tímida.
Ele
nasceu em 1907, nos informa uma das orelhas. Como os autores de FC e fantasia
não aparecem nas enciclopédias não é possível para mim neste instante saber
quando ele morreu, se morreu – mas é provável que sim. Em todo caso Asimov, que
prefaciou, diz que o conheceu em 1939 (portanto, aos 32 anos) e que outros
trinta e dois anos depois, por conseguinte aos 64, Sprague de Camp estava bem.
A data da edição brasileira (Rio de Janeiro, Francisco Alves) é de 1976, mas
não há data do original.
Em
qualquer caso, é um livro maravilhoso, os capítulos referindo-se a períodos: 1)
Os Dentes do Inspetor, 2054-2088; 2) Traje de Verão, 2104-2128;
3) Acabou, 2114-2140; 4) O Apito de Galton, 2117; 5) A Fábrica
dos Biscoitos em Feitio de Animais, 2120 e 6) Vam’bora, 2135-2148.
Câmara
foi o inventor das Viagens Espaciais, Chagas (veja que são todos nomes
portugueses) é o gestor mundial (há um governo planetário), a língua universal
é o português, etc. Hithafea é um hilário inspetor alienígena que vem estudar
numa universidade americana (isso não mudou) e tudo é mesmo formidável, uma
obra prima, uma iguaria para quem sabe degustar a palavra.
Há
planetas alienígenas superconvincentes (com os dragões de Osíris, os ratos-macacos
de Thoth, Krishna, os centauros de Vishnu, os pássaros de Ganesha), há lutas
memoráveis entre os dzlierianos e seus “infames” inimigos, os romelianos. Os
seres humanos são vistos como “monstros hediondos”, em termos de feiúra.
Quanto
mais leio mais me delicio com a fina sensibilidade de Sprague de Camp. É como
algo que quanto mais velho ficasse mais delicioso se mostrasse.
O
segundo livro, Construtores de Continentes, que colocarei como uma
continuação numérica, teria por capítulos: 7) Moto Contínuo, 2137, e 8) Construtores
de Continentes, 2153.
Os
seres humanos não vencem sempre, pelo contrário, ficam em algumas situações
constrangedoras e vexatórias, humilhantes mesmo. Perdem feio dos alienígenas, e
vencem algumas. Os alienígenas não são objeto de deboche, nem são
ridicularizados ou julgados idiotas. Inventaram independentemente a propulsão
espacial, têm civilizações, sociedades avançadas, letras, produção cultural de
altíssimo nível, produção formidável. São gente, como devem ser. Não há guerras
constantes, é um mundo perfeitamente viável.
Enfim,
é uma ficção do mais alto nível, quase que um caso único, fora Asimov, Frank
Herbert e poucos outros. É de admirar que não tenham sido filmados os dois
livros e transformados em séries espantosamente profícuas. Ou talvez não, pois
a grande maioria não saberia aproveitar as nuances psicológicas finíssimas,
delicadíssimas, sublimes mesmos.
É
quando leio obras assim que fico satisfeito de ser humano.
Infelizmente
são pouquíssimas.
Vitória,
quinta-feira, 05 de setembro de 2002.
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