sexta-feira, 30 de dezembro de 2016


Brasil Criativo

 

                            No livro As Profissões do Futuro, São Paulo, Publifolha, 2002, p. 86, o autor Gilson Schwartz diz: “Ao mesmo tempo, deve-se reconhecer que no Brasil ainda há relativamente poucos projetos criativos e associados ao desenvolvimento de novos produtos e tecnologias, seja em ambientes empresariais, seja nas universidades e centros de pesquisa”.

                            Devemos procurar entender porque é assim.

                            De início a Lusitânia foi conquistada por Júlio César e suas tropas no século I a.C. O lugar esteve em poder dos visigodos do fim do Império Romano do Ocidente, em 476, século V, até 711, quando os mouros o dominaram. Fernando de Castela retoma Coimbra em 1064, conforme podemos ler na Enciclopédia Abril 2002, p. 409. Seu filho Afonso VI fez de Henrique de Borgonha conde de Coimbra, o filho deste intitulando-se rei Afonso I em 1139, conquistando Lisboa em 1147, apenas oito anos depois. Em 1249 dá-se a expulsão dos mouros. Em pouco mais de um século os portugueses fizeram o que os espanhóis, tomados como muito mais aguerridos, só conseguiram em 1492, o mesmo ano da descoberta das Américas. Os castelhanos, que haviam dado o território a Henrique, depois tentaram retomá-lo várias vezes, mas foram derrotados seguidamente. Como é sabido, os reis portugueses criaram a Escola de Sagres, onde reuniram muitos dos melhores sábios e navegadores da Europa, estimulando poderosamente a busca de rotas alternativas. Hoje Portugal tem 10 milhões de habitantes, mas por volta de 1500, quando estavam se dando as grandes descobertas marítimas, tinha em torno de dois milhões. Era uma coisinha de nada, mesmo, com um território que passa pouco de dois do ES, e no entanto se tornou uma das nações mais poderosas da Europa e de toda a geo-história do mundo, guardadas as proporções.

                            Os portugueses pesquisavam & desenvolviam, eram ousados, destemidos, guerreiros temidos em muitas partes, grandes inventores, grandes conquistadores. Que aconteceu, desde então? Eles enriqueceram, deitaram em berço esplêndido e adormeceram, esqueceram-se de batalhar, perderam o trem da geo-história. Perderam a oportunidade. Associaram-se à Grã-Bretanha, que foi e é pirata.

                            Com a riqueza, amealhada em toda parte, tornaram-se indolentes, as elites não querendo mais trabalhar, só aproveitar a vida. O povo, mirando-se em tal exemplo, acomodou-se também, e no conjunto o povelite/nação foi suplantado, ficando na saudade, como diz o povo brasileiro. Vivendo das glórias do passado foi indo até tornar-se uma das nações mais pobres da Europa.

                            O Brasil, de fundo cultural português, tem em suas elites a mesma vontade frouxa e, no entanto, elas sabem dominar o povo com artifícios variadíssimos. Os descendentes de portugueses encastelaram-se nos cargos legislativos, judiciários, executivos (nas forças armadas, principalmente). Quando vieram os migrantes é que o Brasil passou a desenvolver-se aceleradamente. Migrantes da Europa, do Japão, da China, da Coréia é que estão fazendo o novo país. Os negros e os mestiços pegaram o jeito português de ser, as manhas, a tal preguiça. Eles não são manhosos nem preguiçosos, estão imitando os antigos chefes.

                            E continuarão assim enquanto não houver liberação. É um círculo vicioso, que deve ser substituído por um círculo virtuoso, ou seja, devemos arrancar-nos dessa vida mortiça, molenga, apatetada. Se os negros forem liberados de sua nova escravidão às elites atrasadas, darão formidáveis saltos industriosos à frente. No entanto, se há um apartheid (separação, segregação) surdo, calado, oculto, qual é a razão para trabalhar muito, se não há perspectiva de melhora real?

                            Se continuam com os tais “dois brasis”, a Bélgica em que os brancos podem prosperar livremente, e a Índia onde o único destino é continuar mourejando entre o nascer e a cova, que prazer poderíamos ter em crescer? Acontece que os portugueses também acordarão, já acordaram em Portugal; e seus descendentes despertarão também, tudo é fase.

                            É preciso ter um Brasil de 170 milhões de habitantes, e não uma Belíndia em que 20 % (= 34 milhões) constituem a Bélgica esplendorosa e 80 % (= 136 milhões) vão formar a Índia tão pobre. Quem vai se matar de trabalhar se o único destino dos filhos será a repetição do passado? Se não há perspectiva de ultrapassamento das condições de nascimento? Se o Brasil fosse maior do que as elites admitem hoje, se fosse não apenas cinco vezes tanto quanto agora mas até centenas de vezes isso, se houvesse verdadeiramente muito a fazer, com que prazer todos o faríamos!

                            O Brasil será criativo se houver uma base imensa precisando dessa criação. De outro modo será apenas esse país dominado de agoraqui. Um país envergonhado de seu passado e de seu presente, e temendo por seu futuro. Um país que tem medo de caminhar, de sonhar, de ser, de imaginar, de vislumbrar, de associar-se, de festejar, de alegrar-se. Até nossas festas são tímidas, complexadas. A gente ama e se expande para dentro, não para fora.

                            Um país é criativo quando tem por quê criar.

                            Sem motivo para criar o que criaremos?

                           Se os filhos dos pretos não podem ser generais, cientistas, presidentes, governadores, como eles, esses talvez 60 % ou mais de negros e mestiços caminharão para frente?

                            Ora, os portugueses são de excelente estirpe. Eles não são bocós, não são fracos, não são estúpidos, nada disso, são da melhor categoria. Apenas desviaram-se, o que é marca da história. Só é preciso que os brasileiros, com tantas boas raízes, despertem e se lancem para diante e para cima, sem nada temer.

                            Criatividade é do tamanho do projeto, como venho dizendo e repetindo. Um grande país vem de uma grande aspiração, de grandes necessidades; e isso vem de quanto devemos atender.

                            Vitória, quinta-feira, 19 de setembro de 2002.

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