Brasil Criativo
No
livro As Profissões do Futuro, São Paulo, Publifolha, 2002, p. 86, o
autor Gilson Schwartz diz: “Ao mesmo tempo, deve-se
reconhecer que no Brasil ainda há relativamente poucos projetos criativos e
associados ao desenvolvimento de novos produtos e tecnologias, seja em
ambientes empresariais, seja nas universidades e centros de pesquisa”.
Devemos
procurar entender porque é assim.
De
início a Lusitânia foi conquistada por Júlio César e suas tropas no século I
a.C. O lugar esteve em poder dos visigodos do fim do Império Romano do
Ocidente, em 476, século V, até 711, quando os mouros o dominaram. Fernando de
Castela retoma Coimbra em 1064, conforme podemos ler na Enciclopédia Abril
2002, p. 409. Seu filho Afonso VI fez de Henrique de Borgonha conde de Coimbra,
o filho deste intitulando-se rei Afonso I em 1139, conquistando Lisboa em 1147,
apenas oito anos depois. Em 1249 dá-se a expulsão dos mouros. Em pouco mais de
um século os portugueses fizeram o que os espanhóis, tomados como muito mais
aguerridos, só conseguiram em 1492, o mesmo ano da descoberta das Américas. Os
castelhanos, que haviam dado o território a Henrique, depois tentaram retomá-lo
várias vezes, mas foram derrotados seguidamente. Como é sabido, os reis
portugueses criaram a Escola de Sagres, onde reuniram muitos dos melhores
sábios e navegadores da Europa, estimulando poderosamente a busca de rotas
alternativas. Hoje Portugal tem 10 milhões de habitantes, mas por volta de
1500, quando estavam se dando as grandes descobertas marítimas, tinha em torno
de dois milhões. Era uma coisinha de nada, mesmo, com um território que passa
pouco de dois do ES, e no entanto se tornou uma das nações mais poderosas da
Europa e de toda a geo-história do mundo, guardadas as proporções.
Os
portugueses pesquisavam & desenvolviam, eram ousados, destemidos,
guerreiros temidos em muitas partes, grandes inventores, grandes
conquistadores. Que aconteceu, desde então? Eles enriqueceram, deitaram em
berço esplêndido e adormeceram, esqueceram-se de batalhar, perderam o trem da
geo-história. Perderam a oportunidade. Associaram-se à Grã-Bretanha, que foi e
é pirata.
Com
a riqueza, amealhada em toda parte, tornaram-se indolentes, as elites não
querendo mais trabalhar, só aproveitar a vida. O povo, mirando-se em tal
exemplo, acomodou-se também, e no conjunto o povelite/nação foi suplantado,
ficando na saudade, como diz o povo brasileiro. Vivendo das glórias do passado
foi indo até tornar-se uma das nações mais pobres da Europa.
O
Brasil, de fundo cultural português, tem em suas elites a mesma vontade frouxa
e, no entanto, elas sabem dominar o povo com artifícios variadíssimos. Os
descendentes de portugueses encastelaram-se nos cargos legislativos,
judiciários, executivos (nas forças armadas, principalmente). Quando vieram os
migrantes é que o Brasil passou a desenvolver-se aceleradamente. Migrantes da
Europa, do Japão, da China, da Coréia é que estão fazendo o novo país. Os
negros e os mestiços pegaram o jeito português de ser, as manhas, a tal
preguiça. Eles não são manhosos nem preguiçosos, estão imitando os antigos
chefes.
E
continuarão assim enquanto não houver liberação. É um círculo vicioso, que deve
ser substituído por um círculo virtuoso, ou seja, devemos arrancar-nos dessa
vida mortiça, molenga, apatetada. Se os negros forem liberados de sua nova
escravidão às elites atrasadas, darão formidáveis saltos industriosos à frente.
No entanto, se há um apartheid (separação, segregação) surdo, calado, oculto,
qual é a razão para trabalhar muito, se não há perspectiva de melhora real?
Se
continuam com os tais “dois brasis”, a Bélgica em que os brancos podem
prosperar livremente, e a Índia onde o único destino é continuar mourejando
entre o nascer e a cova, que prazer poderíamos ter em crescer? Acontece que os
portugueses também acordarão, já acordaram em Portugal; e seus descendentes
despertarão também, tudo é fase.
É
preciso ter um Brasil de 170 milhões de habitantes, e não uma Belíndia em que
20 % (= 34 milhões) constituem a Bélgica esplendorosa e 80 % (= 136 milhões)
vão formar a Índia tão pobre. Quem vai se matar de trabalhar se o único destino
dos filhos será a repetição do passado? Se não há perspectiva de
ultrapassamento das condições de nascimento? Se o Brasil fosse maior do que as
elites admitem hoje, se fosse não apenas cinco vezes tanto quanto agora mas até
centenas de vezes isso, se houvesse verdadeiramente muito a fazer, com que
prazer todos o faríamos!
O
Brasil será criativo se houver uma base imensa precisando dessa criação. De
outro modo será apenas esse país dominado de agoraqui. Um país envergonhado de
seu passado e de seu presente, e temendo por seu futuro. Um país que tem medo
de caminhar, de sonhar, de ser, de imaginar, de vislumbrar, de associar-se, de
festejar, de alegrar-se. Até nossas festas são tímidas, complexadas. A gente
ama e se expande para dentro, não para fora.
Um
país é criativo quando tem por quê criar.
Sem
motivo para criar o que criaremos?
Se
os filhos dos pretos não podem ser generais, cientistas, presidentes, governadores,
como eles, esses talvez 60 % ou mais de negros e mestiços caminharão para
frente?
Ora,
os portugueses são de excelente estirpe. Eles não são bocós, não são fracos,
não são estúpidos, nada disso, são da melhor categoria. Apenas desviaram-se, o
que é marca da história. Só é preciso que os brasileiros, com tantas boas
raízes, despertem e se lancem para diante e para cima, sem nada temer.
Criatividade
é do tamanho do projeto, como venho dizendo e repetindo. Um grande país vem de
uma grande aspiração, de grandes necessidades; e isso vem de quanto devemos
atender.
Vitória,
quinta-feira, 19 de setembro de 2002.
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