Dois Pinóquios Recentes
No
filme com Robins Willians, baseado em texto de Isaac Asimov, O Homem Bicentenário,
que conta a história de um robô que durante duzentos e tantos anos busca
tornar-se humano, e no deplorável filme dirigido por Steve Spielberg, IA
(Inteligência Artificial), onde um garoto-robô, interpretado pelo garoto Osmond
busca tornar-se humano (num período de milhares de anos), o que está sendo
retratada é a velha questão de Pinóquio, o boneco de pau que queria ser gente.
Até
então parecia, apesar de tudo (14 mil guerras e bilhões de atrocidades
cometidas contras seres humanos, animais, plantas e fungos, contra todo tipo de
vida, aliás), que ser pessoa seria coisa boa. Agora devemos rever nossos
conceitos.
Em
primeiro lugar, o mapeamento do genoma humano abrirá caminho para reparo das
quatro mil (segundo Asimov) ou cinco mil doenças humanas hereditárias, de modo
que no futuro só as terá quem quiser (quem desejaria não ter, ser deficiente de
uma perna? –porém sempre existe um doido).
Em
segundo lugar, novos seres serão acrescentados, a partir do que já existe
(golfinhos, macacos, elefantes, baleias expandidas), e construindo do zero
robôs e computadores inteligentes, sem falar em seres humanos expandidos
(ciborgues) e robôs humanizados (andróides), não contando ainda as meras
adições de módulos de memórinteligência. Quem hoje desejaria ser um
neanderthal? Ou qualquer primata? Ou, muito mais próximo, um medievo? Ou sequer
um do século passado? Ou da década dos 1960, quando os negros e as mulheres
eram reprimidas? Quem desejará ser como nós, quando poderes muito maiores, dos
quais não fazemos mesmo pálida idéia, estiverem disponíveis?
Em
terceiro lugar, haverá uma variedade nova de aceitações e consentimentos, novas
interações em rede, exponencialmente elevadas. Nós ficamos imaginando este
mundo em que estamos agoraqui como referência. Quem, no século 19 e até na
primeira metade do século 20 poderia imaginar as coisas que estão acontecendo
em nossos dias? Se há 50 anos as pessoas mais avançadas não puderam, salvo
exceções, imaginar o que está efetivamente ocorrendo agora, que dirá de 200
anos no futuro?
Certo,
são filmes, é diversão passageira, para o povo, e como tão devemos aplaudir – a
vida é dura demais, precisamos dessas digressões, dessas alucinações coletivas
que são as tecnartes. Contudo, em termos reais, um pouco de pensamento convém para
demolir essas fábulas, cuja ingenuidade é por vezes um serviço burguês direto
ou indireto, na medida em que serve para desviar a atenção dos nossos problemas
mais graves, que submetem o povo à escravidão de corpo e de alma, como está
posto na palavra original robot, escravo. Povo escravo das elites, elites
escravas de sua tendência de submeter o povo a desmandos e reduções
psicológicas.
Você
voltaria a este tempo da burguesia?
Você
desejaria ser gente burguesa?
Se
eu fosse robô ficaria na moita alguns séculos ou até milênios, esperando a onda
de selvageria passar.
Vitória,
quarta-feira, 02 de outubro de 2002.
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