sábado, 31 de dezembro de 2016


Tupiniquins

 

                            Por um tipo de resistência qualquer à presença corporal e mental do estrangeiro no Brasil, desde 1500, deram de nos chamar de civilização tupiniquim, um orgulho, uma tolice às avessas.

                            Não somos tupiniquins, nem tupinambás, nem gês, nem só indígenas de qualquer tribo. Não somos negros africanos, nem brancos europeus, nem amarelos asiáticos. A dificuldade dessa gente é aceitar que sejamos aquele povo mestiço novo de Darci Ribeiro. A dificuldade maior é aceitar a novidade, que não tem parecença ou semelhança com nada anterior, que tem realmente no âmago uma novidade que precisa se afirmar totalmente.

                            É fácil regredir.

                            É fácil retornar à segurança do passado, que já é grandemente (mas não totalmente) conhecido.

                            É fácil optar pelo conforto do já sabido, em vez de caminhar para o futuro, para o desconhecido, para nossa auto-afirmação. Não queremos estar acima, porém também não queremos estar abaixo.

                            Esse nativismo é inoportuno, porque o futuro não é tupiniquim.  Tupiniquem? É o Brasil como um todo que está caminhando para frente, que deseja, que necessita participar da luta pela sobrevivência do presente mais apto. Afirmar só os negros é deixar de fora os brancos, os amarelos e os vermelhos. E assim para cada afirmação solitária.

                            Mas, afirmar a totalidade da brasilidade é levar todos e cada um. A invenção desse futuro total, que é quadripartite, essa é MUITO MAIS difícil, verdadeiramente obra de gigantes. Afirmar só os tupiniquins, ainda por cima uma de todas as tribos, é voltar à tribalidade, é excluir a Ásia, a África, a Europa, é apostar na trivialidade, na banalidade, numa qualquer partição em nome da revolta contra o estrangeiro. Pois, veja, os tupiniquins eram estrangeiros também, de 12 mil anos atrás, esses que sucederam os de 15 mil anos atrás, e quem sabe mais quantos.

                            A grande luta – como se vê, conosco mesmo, como disse Milton Nascimento – é para aceitar a grandeza de aceitar a todos.

                            Vitória, quinta-feira, 19 de setembro de 2002.

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