sexta-feira, 30 de dezembro de 2016


Beccaria

 

                            Em seu livro, História da Filosofia, vol 2, São Paulo, Paulinas, 1990, p. 850 e ss., Giovanni Reale e Dario Antiseri falam de César Beccaria (1738 a 1794, 56 anos entre datas), do qual dizem ser o mais conhecido iluminista italiano, “autor do famoso livro Dos delitos e das penas, que critica as antigas instituições da tortura e da pena de morte”. Não é tão famoso, nunca tinha ouvido falar dele antes, o que nos leva a pensar que o Conhecimento oficial (Magia/Arte, Teologia/Religião, Filosofia/ideologia, Ciência/Técnica e matemática) poda aquilo de que não gosta, e que podem existir formidáveis veios do mais puro ouro escondidos pela potência dominante da burguesia.

                            Dizem os autores: “Beccaria partiu de um grupo de princípios que considerava sólidos: um homem é uma pessoa e não uma coisa: os homens se reúnem em sociedade, através de contrato, somente para obter defesa e segurança; os delitos constituem um dano à sociedade no sentido de que diminuem a medida de segurança; as penas só são legítimas se impedem novos danos, mais medo e insegurança. Partindo desses princípios, o iluminista milanês concluiu que era preferível prevenir os delitos a puni-los com a pena de morte; quando a prevenção falhasse e fossem cometidos delitos, estes seriam punidos prontamente, sem adiamentos e temporizações, com penas moderadas, mas infalíveis”.

                            Segundo os princípios de Beccaria (meio de vida em 1776, 236 anos atrás, até 2002), todo o sistema prisional burguês está errado, porque:

1)        É preferível prevenir os delitos a puni-los, mas os burgueses preferem punir a prevenir. Não existe prevenção do crime, como em geral não existe prevenção da doença, isto é, os capitalistas não investem na saúde física nem na saúde mental – preferem tratar das doenças biológicas e psicológicas a manter saudável psicossomaticamente o povelite/nação;

2)       Quando os delitos ocorrem, eles não são prontamente punidos, há muitas delongas pela tal morosidade da Justiça, o que estimula ainda mais os criminosos a perseverar;

3)       As penas não são moderadas, pelo contrário, o roubo de um par de meias pode ser punido nos EUA com 10 anos de cadeia, sei lá, junto aos piores pervertidos, formando e escolando um novo criminoso letal;

4)      As penas não são infalíveis, há recursos desonrosos, escabrosas maquinações envolvendo dinheiro, proteções de maior ou menor monta.

Enfim, 250 anos depois Beccaria (em sua cristalina meditação) ainda não foi atendido, exatamente porque não existe um mundo só, de liberdade = igualdade, de elites e povo em igual patamar, mas vários, de uns que se julgam superiores, enquanto outros são considerados rebotalhos, subumanos em diversos graus. Veja só como estamos atrasados, a ponto dos pleitos de 250 anos atrás ainda não terem sido atendidos. Por exemplo, não acabaram com as torturas, pelo contrário, as acentuaram; e não acabaram com a pena de morte em vários lugares, inclusive EUA. Quer dizer que a burguesia é pré-Beccaria. E pré tanta coisa. Infelizmente, para nosso desassossego.

Vitória, quarta-feira, 02 de outubro de 2002.

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