Língua Amarrada
No
livro História da Filosofia, vol. II, São Paulo, Paulinas, 1990, de Giovanni
Reale e Dario Antiseri, páginas 848 e 849, os autores, falando de Alexandre
Verri (filósofo italiano, 1741-1816, 75 anos entre datas), citam-no: “Os
pensadores ingleses escrevem com muito cuidado com a ordem; os franceses com
períodos vibrantes e breves. Os autores dessas duas respeitáveis nações cuidam
de, na composição, seguir as pegadas dos seus pensamentos; permitem o vôo livre
do intelecto; não temem os episódios importantes; não fazem uma lei para
obrigar as idéias a escorrerem dentro de um leito, por assim dizer, mesmo sendo
transbordantes; não sacrificam os conceitos aos vocábulos, o gênio ao método, a
robustez do estilo à languidez da pureza. Nós, ao contrário, temos em nosso
escrever um não sei que de amarrado, de circunscrito, de tímido, de confuso.
Qual dos italianos propostos como modelos teria escrito com o estilo do Espírito
das leis? ”
Isso
não vale só para a Itália, vale para todos os países latinos, menos a França,
como ele diz; vale para o Brasil, para o México, a Argentina, a Espanha, todos
mesmo. Por que seria assim?
Vamos
listar as qualidades dos nórdicos, por oposição aos defeitos dos mediterrâneos.
QUALIDADES
DOS NÓRDICOS
1) Seguir os passos dos seus pensamentos
(passo a passo, com método, com cuidado, com atenção);
2) Permitem o voo livre do intelecto;
3) Não temem os episódios importantes;
4) Não fazem leis que prendem o intelecto
dentro de um leito;
5) Não sacrificam os conceitos aos
vocábulos;
6) Não sacrificam o gênio ao método;
7) Não sacrificam a robustez do estilo à
languidez da pureza.
DEFEITOS
DOS MEDITERRÃNEOS
1) Tudo que é qualidade nos nórdicos;
2) Escrever amarrado;
3) Circunscrição ou fechamento;
4) Timidez;
5) Confusão.
De onde vem
tudo isso? Ah, se tivessem prestado atenção ao Verri! Como o meio da vida dele
se deu por volta de 1779, passaram-se 223 anos até 2002.
Será que não
viram isso? Uns não viram, outros sim, o interesse de classe dos burgueses
não-distributivistas mediterrâneos interpondo-se para impedir um estilo mais
fluído, menos amarrado, menos torcido, mais transparente, mais “transferente”
de info-controle. DE PROPÓSITO uns e por ignorância outros, todos alienados a
seus interesses de classe, impediram a burguesia atrasada mediterrânea e seus herdeiros
tropicais, Brasil no meio, de ter uma prosa translúcida, competente, capaz de
transferir a riqueza do Conhecimento contemporâneo ao povo e até às elites.
Se Nietzsche
diz que a língua é a alma nacional, se segue que a alma ou povelite ou nação mediterrânea
é amarrada, presa, prisioneira de uma visão-de-mundo ou percepção-de-mundo
tacanha, distorcida para menos, nada fantasista, nada futurista – é uma
aplicação passadista, inoperante, quase morta, presa pelas pontas, pessimista de
língua PORQUE a visão da burguesia mediterrânea é tudo isso. Como não tem
projeto de largo curso, tem em correspondência uma lingüinha pequena, e até
bífida, de cobra, língua dividida da subserviência, dos que são capachos.
Se Verri
falava da Itália do Setecento (século XVIII) perante a França e a Inglaterra,
podemos colocar o paralelo de agora, século XXI, em relação aos EUA e à Europa
dos 15. Miserável tem sido esse destino nosso, que nos faz passar de uma
dominação a outra, sucessivamente, sem nunca podermos aspirar ou chegar à
liberdade. Que povinhos bundas moles nós somos!
Isso vem,
sem dúvida nenhuma, como tenho dito e repetido, da pequeneza de nossos
projetos, PORQUE na Belíndia que o Brasil é há 20 % de Bélgica, com 34 milhões
de habitantes, e 80 % de Índia, com 136 milhões privados da
língua/nação/alma/povelite mais potente, mais vigorosa, mais dinâmica, mais
poderosa, mais futurível, mais autoconsciente e independente. Projetando só
para 20 % a língua ou alma não precisa ser grande. E, como disse Fernando
Pessoa, tudo é grande quando a alma não é pequena. Invertendo,
poderíamos dizer que tudo é pequeno quando a alma ou nação ou língua não é
grande.
Se o Brasil
não pode ser grande PORQUE não pode servir a todos, porque existe uma miserável
e empobrecedora e enxovalhante visão regressiva, conservadora de privilégios,
então essa língua portuguesa no Brasil (que nem é mais portuguesa, apesar do
que desejou Houaiss, pois é agora composta das percepções-de-mundo dos índios
americanos, dos brancos europeus, dos negros africanos e dos amarelos asiáticos)
é diminuta, em razão do encolhimento de cabeças implantada pelas técnicas de
tortura das elites brasileiras, sobre si mesmas e sobre o povo.
Povo
amarrado, elites amarradas, nação amarrada, língua amarrada, escrita amarrada.
Vitória,
terça-feira, 24 de setembro de 2002.
Nenhum comentário:
Postar um comentário