Reorganização dos
Dados
No livro de Angélica
Sátiro e Ana Mirian Wuensch, Pensando Melhor (Iniciação ao
Filosofar), São Paulo, Saraiva, 1997, há uma bela página (120) com um poema de
Ferreira Gullar, Traduzir-se, no qual as frases são colocadas em retângulos. Há
no meio uma linda imagem de uma deusa hindu, azul e com seis braços. Se trata
de Shiva. O título da página é: “o papel do que se sente no conhecimento de si
mesmo”.
Eis os textos dos
retângulos, no sentido horário:
TRÊS DA DIREITA:
1) Uma parte de mim é multidão: outra
parte estranheza e solidão.
2) Uma parte de mim almoça e janta: outra
parte se espanta.
3) Uma parte de mim é só vertigem: outra
parte, linguagem.
E no sentido anti-horário:
TRÊS DA ESQUERDA:
1)
Uma
parte de mim é todo mundo: outra parte é ninguém, fundo sem fundo.
2) Uma parte de mim pesa, pondera: outra
parte delira.
3) Uma parte de mim é permanente: outra
parte se sabe de repente.
NO
CENTRO:
Traduzir
uma parte na outra parte – que é uma questão de vida ou morte – será arte?
Observe a seguir a potência que
consegui descobrir neste poema aparentemente simples, mas na verdade
extraordinariamente denso.
Vamos reinterpretar Gullar (uma
entidade, ELI, Natureza/Deus, Ela/Ele fala por sua boca):
E1) metade é Natureza,
é tudo em toda parte; metade não se liga a nenhum;
E2) a metade da
Natureza delira no sentimento; a metade de Deus pensa detidamente;
E3) a metade da Natureza é eterna, a metade de
Deus é quando vai se des-cobrindo;
D1) a metade da
Natureza é coletiva, mas a de Deus é esquiva e solitária;
D2) metade é natural,
material, enquanto a outra parte é esplendor contínuo, espanto permanente,
vibração;
D3) uma parte é
vertigem, abismo, enquanto a outra é a língua que constrói e é construída.
Traduzir as duas metades é questão de
vida ou de morte, porque até agoraqui as duas partes estão em guerra
permanente.
Ora, de início, onde estão dois pontos
coloquei ponto e vírgula, como a separar definitivamente, ao passo que Gullar
diz que uma é condição de passagem à outra. E no final, onde ele usa ponto final,
como a dizer que cada quadro é uma análise independente, usei ponto e vírgula,
dando continuação ou totalizando.
Ele não coloca em termos de esquerda e
direita, mas eu sim, como no modelo, de forma que há de reunir, como fiz no
modelo, a esquerda e a direita em esquerdireita ou centro.
A REUNIÃO ESQUERDIREITA
Esquerda
|
Centro
|
Direita
|
Todo
|
(Todoparte ou comunhão ou confissão
ou onda)
|
Ninguém
|
Multidão
|
(Confiança na liberdade ou amor ao
próximo, como disse Jesus)
|
Estranheza, solidão
|
Delírio
|
(Delírio meditado)
|
Pesa, pondera
|
Almoço e jantar
|
(Matéria santa ou modelo pirâmide ou
espírito santo)
|
Espanto
|
Sentimento, se sabe de repente
|
(Re-evolução ou permanente indagação)
|
Pensamento, permanente
|
Vertigem
|
(Vertiginoso falar)
|
Linguagem
|
CAMPO
|
Tradução, questão de vida ou morte
(campartícula ou onda)
|
PARTÍCULA
|
Então, veja só, o rearranjo das
informações permite uma percepção mais aguçada, mais precisa das coisas, desde
que tenhamos um modo de fazê-lo. A reorganização dos dados é como vamos
assumindo posturas mais elevadas que as redondezas. Não se trata apenas de
descobrir o teorema, mas de juntá-lo aos demais, produzindo coerência,
coexistência, consistência - é de fato fundamental traduzir a esquerda para a
direita e vice-versa, PORQUE, no fundo, elas são uma e a mesma coisa. E isso é
de fato Arte, e é de fato Técnica, é Tecnarte, é mágica ciência. E é a Dança de
Xiva ou de Shiva.
Podemos ver como uma dimensão superior
é atingida quando nos obrigar a fazer esses rearranjos, quando nos forçamos a
pesquisar mais a fundo.
Vitória, terça-feira, 03 de setembro
de 2002.
Nenhum comentário:
Postar um comentário