quinta-feira, 29 de dezembro de 2016


Reorganização dos Dados

 

                            No livro de Angélica Sátiro e Ana Mirian Wuensch, Pensando Melhor (Iniciação ao Filosofar), São Paulo, Saraiva, 1997, há uma bela página (120) com um poema de Ferreira Gullar, Traduzir-se, no qual as frases são colocadas em retângulos. Há no meio uma linda imagem de uma deusa hindu, azul e com seis braços. Se trata de Shiva. O título da página é: “o papel do que se sente no conhecimento de si mesmo”.

                            Eis os textos dos retângulos, no sentido horário:

                            TRÊS DA DIREITA:

1)      Uma parte de mim é multidão: outra parte estranheza e solidão.

2)     Uma parte de mim almoça e janta: outra parte se espanta.

3)     Uma parte de mim é só vertigem: outra parte, linguagem.

E no sentido anti-horário:

TRÊS DA ESQUERDA:

1)        Uma parte de mim é todo mundo: outra parte é ninguém, fundo sem fundo.

2)       Uma parte de mim pesa, pondera: outra parte delira.

3)       Uma parte de mim é permanente: outra parte se sabe de repente.

NO CENTRO:

Traduzir uma parte na outra parte – que é uma questão de vida ou morte – será arte?

Observe a seguir a potência que consegui descobrir neste poema aparentemente simples, mas na verdade extraordinariamente denso.

Vamos reinterpretar Gullar (uma entidade, ELI, Natureza/Deus, Ela/Ele fala por sua boca):

E1) metade é Natureza, é tudo em toda parte; metade não se liga a nenhum;

E2) a metade da Natureza delira no sentimento; a metade de Deus pensa detidamente;

 E3) a metade da Natureza é eterna, a metade de Deus é quando vai se des-cobrindo;

D1) a metade da Natureza é coletiva, mas a de Deus é esquiva e solitária;

D2) metade é natural, material, enquanto a outra parte é esplendor contínuo, espanto permanente, vibração;

D3) uma parte é vertigem, abismo, enquanto a outra é a língua que constrói e é construída.

Traduzir as duas metades é questão de vida ou de morte, porque até agoraqui as duas partes estão em guerra permanente.

Ora, de início, onde estão dois pontos coloquei ponto e vírgula, como a separar definitivamente, ao passo que Gullar diz que uma é condição de passagem à outra. E no final, onde ele usa ponto final, como a dizer que cada quadro é uma análise independente, usei ponto e vírgula, dando continuação ou totalizando.

Ele não coloca em termos de esquerda e direita, mas eu sim, como no modelo, de forma que há de reunir, como fiz no modelo, a esquerda e a direita em esquerdireita ou centro.

                            A REUNIÃO ESQUERDIREITA

Esquerda
Centro
Direita
Todo
(Todoparte ou comunhão ou confissão ou onda)
Ninguém
Multidão
(Confiança na liberdade ou amor ao próximo, como disse Jesus)
Estranheza, solidão
Delírio
(Delírio meditado)
Pesa, pondera
Almoço e jantar
(Matéria santa ou modelo pirâmide ou espírito santo)
Espanto
Sentimento, se sabe de repente
(Re-evolução ou permanente indagação)
Pensamento, permanente
Vertigem
(Vertiginoso falar)
Linguagem
CAMPO
Tradução, questão de vida ou morte (campartícula ou onda)
PARTÍCULA

Então, veja só, o rearranjo das informações permite uma percepção mais aguçada, mais precisa das coisas, desde que tenhamos um modo de fazê-lo. A reorganização dos dados é como vamos assumindo posturas mais elevadas que as redondezas. Não se trata apenas de descobrir o teorema, mas de juntá-lo aos demais, produzindo coerência, coexistência, consistência - é de fato fundamental traduzir a esquerda para a direita e vice-versa, PORQUE, no fundo, elas são uma e a mesma coisa. E isso é de fato Arte, e é de fato Técnica, é Tecnarte, é mágica ciência. E é a Dança de Xiva ou de Shiva.

Podemos ver como uma dimensão superior é atingida quando nos obrigar a fazer esses rearranjos, quando nos forçamos a pesquisar mais a fundo.

Vitória, terça-feira, 03 de setembro de 2002.

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