quinta-feira, 29 de dezembro de 2016


A Língua como Alma

 

                            Nietszche disse que a língua é a alma de uma nação, do que podemos derivar muitas coisas.

                            Por exemplo, se é alma nacional é alma de cada estado, cada município/cidade, cada empresa, cada grupo, cada família e cada indivíduo. É alma de aglomerados urbanos gigantes, como a Grande São Paulo, ou de minúsculas cidades, como Rio Bananal, ES - e que grandes distâncias perceptivas mais separam que unem tais cidades, opostas antes que complementares!

É a mesma alma de negros e brancos, de mulheres e homens, de velhos e moços, de ricos e pobres. Não obstante ela não é com o mesmo favor composta dos vocábulos de origem negra-africana que de origem branca-européia. Então, para começar, é alma distorcida, ferida das impropriedades da segregação. Da segregação geral: das raças, das idades, dos sexos, das riquezas.

                            Se é alma é alma humana, de psicologia humana, comportando figuras ou psicanálises humanas, objetivos ou psico-sínteses humanos, produções ou economias humanas, organizações ou sociologias humanas, espaçotempos ou geo-histórias humanas. Sendo tal, comporta as doenças ou deslocações-de-média humanas. Vê como a humanidade vê, sente como a humanidade sente, pensa como a humanidade pensa. É humana para os erros e os acertos. Não vê fora da janela humana de visão, não percebe fora do quadro humano de percepção. Exclui coisas, que se tornam então imperceptíveis. Na Economia particiona-se como alma agropecuária/extrativista, como alma industrial, como alma comercial, como alma de serviços, como alma bancária.

                            Por ser alma geo-histórica, evolui, revolui, re-evolui; avança, dá saltos, re-avança. Segue os trâmites geo-históricos: foi alma ou língua escravista, foi alma ou língua feudalista, é alma ou língua de terceira onda capitalista.

                            Possui dimensões que o Conhecimento lhe empresta: alma mágica/artística, alma teológica/religiosa, alma filosófica/ideológica, alma científica/técnica e alma matemática.

                            É alma das 6,5 mil profissões. Da costureira, do varredor de rua, do engenheiro mecatrônico, do escritor.

                            É alma com 215 mil retalhos-palavras que constam no Houaiss, servindo desde a mais fina elaboração até a mais rude delas, dentro do mesmo corpomente nacional. É alma maltratada pela sobreposição de vocábulos ou almas estrangeiras, dominada, diminuída, enxovalhada. É alma retalhada, como uma alma-de-retalhos. É alma nobre em potência e vil na realidade, como a portuguesa no Brasil. É alma suja, enegrecida dos desleixos, abandonada, de gente que se julga inferior. Assume as colorações que a força ou fraqueza dos viventes do tempolugar lhe emprestam. No caso brasileiro é alma chinfrim, de acovardados.

                            Vitória, quinta-feira, 03 de outubro de 2002.

Nenhum comentário:

Postar um comentário