sexta-feira, 30 de dezembro de 2016


Dizer com Clareza

 

                            Creio que foi Wittgenstein quem disse que tudo que se pode dizer se pode dizer com clareza. Podemos pegar carona nessa visão profunda para falar mais algumas coisas.

                            O que se pode dizer com clareza? Há três modos (quatro, mas o quarto é não dizer) de dizer com clareza:

                            1) o do povo, que é o senso comum;

                            2) o das elites, que é a busca do Conhecimento alto (Magia, Teologia, Filosofia, Ciência) e baixo (Arte, Religião, Ideologia e Técnica – este degenerado em certa parte) e a Matemática;

                            3) o do encontro do povo com as elites, o falar do povelite ou nação.

                            Com que clareza diz o povo?

                            A clareza do povo não pode ser a do raciocínio, porque quem conseguiria lavar pratos raciocinando sobre o prato, o solvente universal, que é a água, os sabões, a geo-história da tarefa, os panos de prato, sua confecção, preços de salários de lavadores de pratos, sindicalização, enfrentamento dos governos, exploração pelas elites, etc.? O povo fala SENTIMENTALMENTE com clareza. Sua clareza é a do sentimento, direto e sem rebuscamentos, a clareza de instantes, do pontinstante curtíssimo no espaço e no tempo.

                            E qual é a clareza das elites?

                            O raciocínio das elites, que é lento e minucioso, de quem tem tempo de ócio, tempo destinado às circunvoluções mentais, este é de uma clareza meridiana DE CLASSE, isto é, é de uma clareza interesseira, do dominante, até do tirano, do ditador, do ocupador racional dos horizontes nacionais, que usa a língua como patrimônio socioeconômico restritivo de classe.            Então, a clareza das elites é CLAREZA PARA AS ELITES, não para o povo. Há necessariamente um fechamento em relação ao povo.

Há um múltiplo fechamento:

a)     Primeiro, dos alienados, que falam, mas não sabem que falam PARA IMPEDIMENTO DO POVO;

b)    Há os despertos, os orgânicos de classe de Gramsci, os que têm plena consciência de serem aproveitadores, destinados pelas elites oprimirem o povo, a serem os instrumentos lingüísticos da opressão, falando despudoradamente a favor do domínio capitalista;

c)     Há o fechamento pela autocensura, pelos que sabem mas se calam, por este ou aquele medo ou compromisso;

d)     Há o fechamento pela censura, o corte visível da palavra;

e)     Há o fechamento de todo o sistema jurídico, toda a pseudojustiça capitalista;

f)      Há o fechamento das forças armadas, braço armado da compressiva potência de classe;

g)     Há o fechamento de todo o sistema legislativo, falsa permissão da palavra conexa e comprometida;

h)     Há o fechamento pelas obras seletivas de todo o sistema executivo dos governos em todos os níveis federal, estadual e municipal/urbano.

i)       Há o fechamento pela mídia comprometida, que só abre para os adesistas, os do paralelo burguês.

E outros, claro, procure você mesmo.

Há a clareza da identidade entre liberdade das elites e igualdade do povo, a livrigualdade do povelite ou nação, o compromisso pelo melhor viver em respeito mútuo.

E em cada um desses falares deve (ou deveria) haver pesquisa & desenvolvimento teórico & prático da clareza. Infelizmente há muito menor clareza do que seria útil ter. Infeliz-mente das elites. E infelizes corpos do povo.

Vitória, terça-feira, 24 de setembro de 2002.

Nenhum comentário:

Postar um comentário