Dizer com Clareza
Creio
que foi Wittgenstein quem disse que tudo que se pode dizer se pode dizer com
clareza. Podemos pegar carona nessa visão profunda para falar mais algumas
coisas.
O
que se pode dizer com clareza? Há três modos (quatro, mas o quarto é não dizer)
de dizer com clareza:
1)
o do povo, que é o senso comum;
2)
o das elites, que é a busca do Conhecimento alto (Magia, Teologia, Filosofia,
Ciência) e baixo (Arte, Religião, Ideologia e Técnica – este degenerado em
certa parte) e a Matemática;
3)
o do encontro do povo com as elites, o falar do povelite ou nação.
Com
que clareza diz o povo?
A
clareza do povo não pode ser a do raciocínio, porque quem conseguiria lavar
pratos raciocinando sobre o prato, o solvente universal, que é a água, os
sabões, a geo-história da tarefa, os panos de prato, sua confecção, preços de
salários de lavadores de pratos, sindicalização, enfrentamento dos governos,
exploração pelas elites, etc.? O povo fala SENTIMENTALMENTE com clareza. Sua
clareza é a do sentimento, direto e sem rebuscamentos, a clareza de instantes,
do pontinstante curtíssimo no espaço e no tempo.
E
qual é a clareza das elites?
O
raciocínio das elites, que é lento e minucioso, de quem tem tempo de ócio,
tempo destinado às circunvoluções mentais, este é de uma clareza meridiana DE
CLASSE, isto é, é de uma clareza interesseira, do dominante, até do tirano, do
ditador, do ocupador racional dos horizontes nacionais, que usa a língua como
patrimônio socioeconômico restritivo de classe. Então,
a clareza das elites é CLAREZA PARA AS ELITES, não para o povo. Há
necessariamente um fechamento em relação ao povo.
Há um
múltiplo fechamento:
a) Primeiro, dos alienados, que falam,
mas não sabem que falam PARA IMPEDIMENTO DO POVO;
b) Há os despertos, os orgânicos de
classe de Gramsci, os que têm plena consciência de serem aproveitadores,
destinados pelas elites oprimirem o povo, a serem os instrumentos lingüísticos
da opressão, falando despudoradamente a favor do domínio capitalista;
c) Há o fechamento pela autocensura,
pelos que sabem mas se calam, por este ou aquele medo ou compromisso;
d) Há o fechamento pela censura, o corte
visível da palavra;
e) Há o fechamento de todo o sistema
jurídico, toda a pseudojustiça capitalista;
f) Há o fechamento das forças armadas,
braço armado da compressiva potência de classe;
g) Há o fechamento de todo o sistema
legislativo, falsa permissão da palavra conexa e comprometida;
h) Há o fechamento pelas obras seletivas
de todo o sistema executivo dos governos em todos os níveis federal, estadual e
municipal/urbano.
i) Há o fechamento pela mídia
comprometida, que só abre para os adesistas, os do paralelo burguês.
E outros,
claro, procure você mesmo.
Há a clareza
da identidade entre liberdade das elites e igualdade do povo, a livrigualdade
do povelite ou nação, o compromisso pelo melhor viver em respeito mútuo.
E em cada um
desses falares deve (ou deveria) haver pesquisa & desenvolvimento teórico
& prático da clareza. Infelizmente há muito menor clareza do que seria útil
ter. Infeliz-mente das elites. E infelizes corpos do povo.
Vitória,
terça-feira, 24 de setembro de 2002.
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