quinta-feira, 29 de dezembro de 2016


A Língua Mais Apta

 

                            Se, como vimos em A Língua como Alma, neste livro, a língua de cada nação é sua alma, no dizer de Nietszche, ENTÃO, como tudo evolui, se segue que a língua ou alma nacional também evolui, buscando deixar descendência no futuro - por assim dizer ela coloca seus ovos no presente para que eles sejam levados e depositados no futuro. Várias línguas morreram, foram incompetentes na luta pela sobrevivência da língua mais apta.

                            Na luta pela sobrevivência não tiveram competência para levar-se ao futuro. Deixaram seus esqueletos à margem da geo-história e nem sequer podemos visitá-las em museus.

                            Que tipo de luta é essa?

                            Não é natural, biológica/p.2, é psicológica/p.2, trava-se artificialmente dentro das pessoas que são portadoras dos vetores-palavras. O ciclo de reprodução é o da vida humana, cada uma delas, e o que lhe dá sustentação é a socioeconomia das pessoas (indivíduos, famílias, grupos, empresas) e dos ambientes (municípios/cidades, estados, nações e mundos). No nosso caso o que dá sustentação à língua ou alma portuguesa-brasileira é o Brasil e seus subconjuntos.

                            Assim sendo, a língua portuguesa-brasileira é tão forte quanto a S/E o é no Brasil e sobreviverá enquanto a S/E brasileira o fizer. Se a S/E brasileira se deixar dominar e subjugar, o mesmo estará acontecendo com a língua portuguesa no Brasil. Por quantas evoluções passou? Quantos saltos revolucionários deu? Quanto diferenciou da língua portuguesa em Portugal e no resto do mundo? Obviamente, com as incorporações das cores africana, indígena e até asiática ela mudou, não é mais “portuguesa pura”, ao contrário do que Houaiss dizia.

                            A língua também adquire as colorações regionais, de inserção continental, com os interesses locais e mundiais do país. Mas, embora vindo de uma raiz latina, a fala brasileira agregou feições africanas, americanas de origem, asiáticas, ou o fará no futuro, quanto termine ou diminua a segregação a tal ponto.

                            Enquanto alguém faz sua casa, compra seu carro, luta sua vida, sua língua-alma faz, compra, luta batalha diária que nunca cessa e agora se dá de fora para dentro e de dentro para fora em 170 milhões de habitantes-frentes de luta, no Brasil. Luta contra o dominante externo e o seu representante postiço interno, o subjugado convencido de que as almas estrangeiras são melhores.

                            Há primeiras-línguas, segundas-línguas, terceiras-línguas e quartas-línguas, como os mundos. Há almas apuradíssimas, com as mais avançadas tecnociências, e há almas atrasadíssimas, no limiar do desaparecimento.

                            Há gente que faz a profilaxia de sua alma, que cuida diariamente dela, que a venera, que a eleva a patamares de transcendência, e há gente que a trata com o maior descaso, desprezo, desdém, desrespeito, desconsideração. Há gente que vibra com sua alma, ao passo que há gente que se envergonha dela. Como base nessas células-pessoas e nessas células-ambientes a língua-alma vai prosperando ou definhando, até que nalguma linha de tempo estão apenas as línguas ou almas que sobreviveram aos desacertos dos falantes, de sua visão grandiosa ou mesquinha de vida.

                            Como disse Fernando Pessoa, tudo é grande quando a alma não é pequena; ou, ao contrário, tudo é pequeno quando a alma não é grande. Trocando alma por língua ou nação ou povelite, podemos fazer outras leituras. E daí entender que, quando a nação não é grande as chances de sua língua ou alma sobreviver são pequenas.

                            Vitória, quinta-feira, 03 de outubro de 2002.

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