sexta-feira, 30 de dezembro de 2016


Filosofia Brasileira

 

                            Às vezes alguns perguntam: para quê serve a filosofia? O que fazer com a filosofia? Fico espantado demais da conta, como diz o povo da minha terra. Pois se o Houaiss se gaba de oferecer 215 mil palavras à meditação de cada um! Assim como os outros modos de conhecimento, a Filosofia pode se dedicar a estudar CADA UMA DAS PALAVRAS, não só superficialmente como profundamente, terminalmente. A filosofia serve para investigar. O que posso fazer com a filosofia é investigar para saber mais e melhor.

                            Como uma determinada palavra aparece quando falada por pessoas (indivíduos, famílias, grupos e empresas) nos ambientes (municípios/cidades, estados, nações e mundos)? Como dedicação é lida nas regiões brasileiras, ou nos países da América Latina? E apego? Qual é a razão de a imprensa brasileira escrever “duas vezes mais” (três vezes tanto quanto) quando quer dizer o dobro? Porque escreve “piso mínimo” e “teto máximo”, e comete tantos vícios de linguagem? Por quê há essa rejeição da língua portuguesa, com tanta veneração da língua inglesa (como antes foi da francesa, da romana, etc.)? O que significa o “jeitinho brasileiro”? Alguns já tentaram interpretar, mas foi insuficiente. Por quê tentaram passar (Sérgio Buarque de Holanda) essa história de “brasileiro é povo cordial”? Porque os políticos e governantes não se convencem da utilidade de prestar bons serviços, abandonando de vez a prática disseminadíssima do “caixinha”? Por quê tradicionalmente os inventores não foram estimulados no Brasil? Há tantas perguntas a serem feitas!

                            Por quê a filosofia brasileira demorou tanto a se assumir enquanto filosofia e mais ainda como brasileira, de interesse local descolado ou independente dos estrangeirismos? Por quê a robótica não pode ser instalada para produzir coisas mestiças? Por quê a mídia não desenha programas de interesse de negros, de índios, de asiáticos – só de brancos europeus? Por quê não há programas de TV mirando os países da América do Sul e da América Latina, ou sobre Portugal e os países de língua portuguesa, sobre os países latinos? Vê, quantos assuntos pulsantes, vibrantes, entusiasmantes?

                            Se a filosofia brasileira é deprimida, debilitada, aviltada, degradada não será por falta de assunto. É porque, ao copiar os estrangeiros, encontra-os sempre na frente, POR DEFINIÇÃO. Pois, se é cópia, que originalidade pode haver nisso? Se vamos falar do Ser e do Tempo, Sartre já falou. Quanto podemos acrescentar repisando os assuntos que os europeus já abordam há dois mil e quinhentos anos?

                            Nosso caminho deve ser outro.

                            A Filosofia não é uma lista de pensamentos permitidos, é GOSTAR-DE-SABER. De saber tudo, e cada coisa em particular. Como a figura pensante, a pessoa, está no Brasil, é com o ar, a água, a terra/solo, o fogo/energia, a Vida e a Vida-racional daqui que ela lida. O ar não é universal senão na aparência; ele tem nuances, pequenas diferenças que o fazem brasileiro, capixaba, de Vitória.

                            Se eu não assumir minha própria bandeira, minha própria língua, o meu ser e estar, quem o fará por mim? Se eu não cuidar de raciocinar sobre minhas condições locais de vida não será um austríaco que o fará. Então, filosofia brasileira deve ser GOSTAR-DE-SABER sobre o Brasil. E pode acreditar, meu caro, minha cara, quanto a isso o assunto é verdadeiramente inesgotável.
                            Vitória, sexta-feira, 04 de outubro de 2002.

Nenhum comentário:

Postar um comentário