Para Que Serve a Filosofia
Na
página 345 do livro de Angélica Sátiro e Ana Mírian Wuensch, Pensando Melhor
(iniciação ao filosofar), São Paulo, Saraiva, 1997, temos um texto (que vai de
339 a 349) de Walter O Kohan, professor de filosofia da Universidade de Buenos
Aires, onde ele diz (pela boca da personagem): “(ELISA) – Claro que as aulas de
filosofia não servem para nada. Mas não me parece um defeito. Ao contrário,
isso é o melhor que poderia acontecer. Neste mundo, tudo tem que servir para
algo. Todo o tempo estão nos dizendo que temos que fazer coisas que sejam
úteis, que sirvam para outras coisas e por aí afora. (...). As aulas de
filosofia, ao contrário, não servem para nada, a não ser para si mesmas. E isso
não me parece um defeito. Ao contrário, mostra que são muito livres e
independentes. (CAROLINA) – Não estou de acordo. Não penso que as aulas de
filosofia não sirvam para nada. Guaracy tem razão quando diz que muitas vezes
não chegamos a nenhuma conclusão. Mas, ainda assim, sinto que as discussões
servem para nos fazer entender melhor um tema ou problema”.
Para
quê serve a Filosofia?
Eis
a resposta do modelo.
Em
primeiro lugar, vejamos a dupla pirâmide do Conhecimento. A pirâmide alta, que
aponta para a Matemática superior, que se está fazendo, é composta de Magia,
Teologia, Filosofia e Ciência. A pirâmide baixa, que aponta para a Matemática
inferior, passada, é composta das correspondentes Arte, Religião, Ideologia e
Técnica.
Ora,
por exclusão a Filosofia não faz nada que seja do âmbito exclusivo das outras
oito modalidades; sequer faz aquilo que sua contração inferior, a Ideologia,
faz. Esta cuida de diminuir em doutrina os pensares filosóficos.
Depois,
pelo dizer antigo de Pitágoras, filo-sofia é gostar-de-saber, o que se faz
indagando. Quando nada a Filosofia melhoraria a tecnarte da indagação e do
discurso, que é a retórica, parte ideológica do pensar alto. Ela potencializa o
pensar dos sofistas, dos professores, dos políticos, dos argumentadores em
bases alheias. Para quem GOSTA DE PENSAR, filosofar é perquirir as razões
profundas das coisas, embora não tanto quanto a Ciência, nem com o mesmo
cuidado, até porque não cabe, pois a Filosofia cuida das investigações de campo
e não das de partícula. Então, como qualquer modo de pesquisa & desenvolvimento,
há uma filosofia teórica e uma filosofia prática. Há os que pensam
profissionalmente e os que o fazem amadoristicamente, sem maiores cuidados. Há
o pensar metódico das elites e o pensar do senso comum, popular. Por si só esse
aprofundamento já valeria a pena.
Por
outro lado, a Filosofia é o batedor que vai à frente da Ciência, estabelecendo
novos projetos de busca. E é quem vai atrás para a visão de campo, o gestalt
unitivo dos fragmentos científicos. Assim, é uma parceira poderosa, que deve
ser respeitada.
Depois,
a Filosofia é o consolo de todo ser racional, desde quando Einstein diz que o
maior mistério não é entendermos o universo, é que ele seja inteligível. A
Filosofia é a condição de estarrecimento diante do esplendor, com a conseqüente
humildade derivada.
E
por aí afora poderíamos ir descobrindo centenas de utilidades da Filosofia. Não
é o caso de tudo ter que servir para algo, pois é assim mesmo, ou
trabalharíamos de graça, como bobos? De fato, tudo deve servir mesmo. E a
Filosofia serve até demais, para libertar os povos da subjugação (veja que
quando uma ditadura se implanta eles não caçam os cientistas, caçam os
filósofos), para o enfrentamento das tiranias (em todos os níveis, inclusive os
burocráticos governempresariais). E não é verdade que não se chegue a alguma
conclusão; é que muitas vezes ela está embutida e nem é percebida como tal. E
às vezes a conclusão é que devemos continuar discutindo. E assim por diante.
A
questão não deveria ser para quê serve a Filosofia e sim para quê ela não
serve? Pois vou dizer: ela não serve para deixar acomodado quem quer que seja.
Vitória,
quarta-feira, 02 de outubro de 2002.
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