sábado, 31 de dezembro de 2016


Para Que Serve a Filosofia

 

                            Na página 345 do livro de Angélica Sátiro e Ana Mírian Wuensch, Pensando Melhor (iniciação ao filosofar), São Paulo, Saraiva, 1997, temos um texto (que vai de 339 a 349) de Walter O Kohan, professor de filosofia da Universidade de Buenos Aires, onde ele diz (pela boca da personagem): “(ELISA) – Claro que as aulas de filosofia não servem para nada. Mas não me parece um defeito. Ao contrário, isso é o melhor que poderia acontecer. Neste mundo, tudo tem que servir para algo. Todo o tempo estão nos dizendo que temos que fazer coisas que sejam úteis, que sirvam para outras coisas e por aí afora. (...). As aulas de filosofia, ao contrário, não servem para nada, a não ser para si mesmas. E isso não me parece um defeito. Ao contrário, mostra que são muito livres e independentes. (CAROLINA) – Não estou de acordo. Não penso que as aulas de filosofia não sirvam para nada. Guaracy tem razão quando diz que muitas vezes não chegamos a nenhuma conclusão. Mas, ainda assim, sinto que as discussões servem para nos fazer entender melhor um tema ou problema”.

                            Para quê serve a Filosofia?

                            Eis a resposta do modelo.

                            Em primeiro lugar, vejamos a dupla pirâmide do Conhecimento. A pirâmide alta, que aponta para a Matemática superior, que se está fazendo, é composta de Magia, Teologia, Filosofia e Ciência. A pirâmide baixa, que aponta para a Matemática inferior, passada, é composta das correspondentes Arte, Religião, Ideologia e Técnica.

                            Ora, por exclusão a Filosofia não faz nada que seja do âmbito exclusivo das outras oito modalidades; sequer faz aquilo que sua contração inferior, a Ideologia, faz. Esta cuida de diminuir em doutrina os pensares filosóficos.

                            Depois, pelo dizer antigo de Pitágoras, filo-sofia é gostar-de-saber, o que se faz indagando. Quando nada a Filosofia melhoraria a tecnarte da indagação e do discurso, que é a retórica, parte ideológica do pensar alto. Ela potencializa o pensar dos sofistas, dos professores, dos políticos, dos argumentadores em bases alheias. Para quem GOSTA DE PENSAR, filosofar é perquirir as razões profundas das coisas, embora não tanto quanto a Ciência, nem com o mesmo cuidado, até porque não cabe, pois a Filosofia cuida das investigações de campo e não das de partícula. Então, como qualquer modo de pesquisa & desenvolvimento, há uma filosofia teórica e uma filosofia prática. Há os que pensam profissionalmente e os que o fazem amadoristicamente, sem maiores cuidados. Há o pensar metódico das elites e o pensar do senso comum, popular. Por si só esse aprofundamento já valeria a pena.

                            Por outro lado, a Filosofia é o batedor que vai à frente da Ciência, estabelecendo novos projetos de busca. E é quem vai atrás para a visão de campo, o gestalt unitivo dos fragmentos científicos. Assim, é uma parceira poderosa, que deve ser respeitada.

                            Depois, a Filosofia é o consolo de todo ser racional, desde quando Einstein diz que o maior mistério não é entendermos o universo, é que ele seja inteligível. A Filosofia é a condição de estarrecimento diante do esplendor, com a conseqüente humildade derivada.

                            E por aí afora poderíamos ir descobrindo centenas de utilidades da Filosofia. Não é o caso de tudo ter que servir para algo, pois é assim mesmo, ou trabalharíamos de graça, como bobos? De fato, tudo deve servir mesmo. E a Filosofia serve até demais, para libertar os povos da subjugação (veja que quando uma ditadura se implanta eles não caçam os cientistas, caçam os filósofos), para o enfrentamento das tiranias (em todos os níveis, inclusive os burocráticos governempresariais). E não é verdade que não se chegue a alguma conclusão; é que muitas vezes ela está embutida e nem é percebida como tal. E às vezes a conclusão é que devemos continuar discutindo. E assim por diante.

                            A questão não deveria ser para quê serve a Filosofia e sim para quê ela não serve? Pois vou dizer: ela não serve para deixar acomodado quem quer que seja.

                            Vitória, quarta-feira, 02 de outubro de 2002.

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