domingo, 1 de janeiro de 2017


Congresso dos Retardatários

 

                            Antigamente os países do Terceiro Mundo chamavam-se Não-Alinhados e tentaram um efêmero e mal-conduzido processo de reunião das parcas forças e poderes. No modelo redividí em quatro mundos, de modo que há um Quarto Mundo, e sendo cerca de 220 nações isso dá quatro grupos de perto de 55, no conjunto de Primeiro e Segundo ficando 110, das quais não cuidaremos aqui.

                            Em primeiro lugar não deve haver vergonha em assumir ser retardatário. Se for uma situação de fato, vergonhoso seria ficar se enganando, como um pobre que querendo passar por rico ficasse ainda mais pobre por estar gastando em bens suntuários fora de seu alcance. Assumir como tal sua identidade focal, desalienar-se das imposições alheias é o primeiríssimo passo, o primeiro passo do caminho de mil milhas, como disse Lao Tsé. 

                            Depois, há o processo de união, que é doloroso, porque há os alienados ou envergonhados, e há os serviçais, que é preciso convencer, mostrando a utilidade da união. E há o inimigo interno, os vendidos que estão a serviço dos estrangeiros. E há os que têm complexo de inferioridade, que não suportam ver-se como são e preferem travestir-se nos modos, nas crenças, nas vestimentas dos alienígenas.

                            Em terceiro lugar, há que sustentar o processo de união, o que quer dizer um Congresso dos Retardatários, com tribuna, gravações, tudo que é necessário numa assembléia, e assim mesmo num país não-dominante, pois a liderança indevida acarretaria fatalmente a fuga dos resistentes. E deve ser espaçotempo modulável, crescendo por módulos, com as adesões.

                           Deve haver uma Mídia do Congresso (TV, Rádio, Revista, Jornal, Livro e Internet), além de propaganda boca-a-ouvido, muita militância indo de país a país com economia, organização e extrema produtividade – de ônibus, de carona, como for.

                            Em quinto lugar é preciso convencer os da frente de que eles não serão ameaçados, pelo contrário, o crescimento dos de trás acelerará ainda mais o dos da frente. Que as fontes de matérias-primas e energia não serão superpressionadas, etc., até porque O CRESCIMENTO QUE SE QUER NÃO É AQUELE DELES.

                            Adiante é preciso postular um DESENVOLVIMENTO RETARDATÁRIO, isto é, dessemelhante daquele que justamente por não ser o vetor cultural/nacional dessa metade nunca se torna desenvolvimento real, só imitação malfeita. Tomar uma trilha de independência, com uma tecnociência e um conhecimento apropriados aos retardatários, que nisso não serão mais, de modo algum, retardatários, logo estarão com seu próprio e copiado modelo de desenvolvimento, rendendo muitas pesquisas & desenvolvimentos teóricos & práticos de grande relevância.

                            Agora, deve haver um estímulo firme para desenvolver uma PERCEPÇÃO (visão, audição, paladar, tato, olfato) DE MUNDO própria dos retardatários, um ESTAR-NO-MUNDO distinto, mas não separado, independente, mas não hostil, de tal modo a atrair aqueles abnegados de lá que queiram sair em missão de amparo psicológico e viver valores diversos dos seus, de um novo modo de conhecer e produzir.

                            Mas a condição zero de tudo são as lideranças nacionais desses 110 se posicionarem por um futuro seu, que não esteja a reboque, que não seja vagão da locomotiva alheia.

                            Vitória, sexta-feira, 25 de outubro de 2002.

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