segunda-feira, 27 de março de 2017


Privações

 

                            Gosto de quase todo tipo de música e alguns dirão que é por falta de conhecimento musical. Claro, é mesmo, mas é também porque o que interessa efetivamente não é somente a POESIA + MELODIA = MÚSICA, o conjunto da letra e do som, e sim também o que ela diz em termos psicológicos, inclusive socioeconômicos. O que ela mostra dos conjuntos PESSOAIS (indivíduos, famílias, grupos e empresas) e AMBIENTAIS (municípios/cidades, estados, nações e mundo), tradicionalmente divididos (e juntados) em dois supergrupos, moradores-da-cidade e moradores-do-campo?

                            Já que a Cidade geral é dominante o Campo geral é visto com distanciamento, até com aversão. Enquanto o campo brasileiro esteve em desfavor, até a recente reviravolta de dignificação no Sudeste, no Sul e no Centro-Oeste, a Roça era compostas de caipiras, de brejeiros, de jacus, de roceiros, de gente do interior, de bregas – de tudo que fosse visão desfavorável.

                            Já que a Universidade geral é o cume das cidades, o ponto mais alto da sabedoria coletiva, os universitários se vêem em alta conta, se enxergam como pessoas especialíssimas, postas todas as demais abaixo. Assim sendo, os universitários (professores, alunos, diretores, famílias) escolhem certas coisas como desejáveis e taxam outras como detestáveis. Em geral a Bossa Nova é bem vista, certos pintores, autores teatrais, toda a tecnarte validada e assim por diante, de modo que o que é DA ROÇA é julgado perverso, subnutrido, burro, atrasado, inconveniente, motivo de vergonha cultural, até repugnante para a patrulha “odara” do bom-gosto oficial. Assim, os universitários se privam de muitas coisas em nome do que é sancionado e aceito como nobre e digno. Deixam de ver a totalidade da nação para ver só o que os olhos burgueses permitem, uma seção relativamente diminuta do todo. As patrulhas patricinhas (das yuppies brasileiras) e mauricinhas (dos yuppies brasileiros) que regem o bom-gosto oficial não deixam passar e cobram mesmo.

                            Pobres coitados, estão perdendo a chance de ver o verdadeiro Brasil em sua totalidade, fixando-se em parte dele. Não sofrem de privação material, mas sofrem de outro gênero de privação, até pior.

                            Vitória, quinta-feira, 16 de outubro de 2003.

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