quinta-feira, 30 de março de 2017


Sem Tios

 

                            A China tem 1,3 bilhão de habitantes e mesmo o crescimento de 0,71 % ao ano significa mais 9,2 milhões ao ano, de modo que os 175 milhões de brasileiros são somados em menos de 19 anos. Como a população do Espírito Santo é de cerca de 3,2 milhões em 45.597 km2, a China produz por ano quase três vezes nosso contingente – para alimentar, vestir, abrigar, dar racionalidade (o que seria equivalente a multiplicar nossa densidade demográfica por três no primeiro ano). É um portento.

                            Mas toda aquela eficácia em contenção social tem gerado esse excedente populacional, de modo que o governo foi obrigado a restringir a quantidade de nascimentos a um filho por família, o segundo filho custando, segundo Gabriel, os rendimentos familiares de oito anos.

                            Desse jeito gerações e gerações de chineses crescerão com somente um filho por família; vimos que as crianças não terão irmãos e irmãs e Gabriel teve o insight de que será uma nação sem experiência de conviver com tios e tias. Deverão buscar companhia nas outras famílias e os tios e as tias deverão ser substituídos pelos pais e mães das outras crianças, o que é uma experiência única no mundo em volume.

                            Mais que isso, a concentração de renda se dará num ritmo acelerado, relativamente ao modo como a China conta o tempo, nas gerações a seguir, homem e mulher fundindo-se para legar a produção de dois a um e assim sucessivamente. Sobre o crescimento continuado de dois dígitos percentuais ao ano virá essa funilização, essa soma de dois para um, a seguir de quatro para um, de oito para um, até que daqui a um século a China terá sabe-se lá “apenas” algumas centenas de milhões de moradores e altíssima concentração de riqueza. Um fenômeno correlato será o desaparecimento de nomes familiares, desde que os das mulheres são absorvidos pelos dos homens.

                            É um fenômeno novo, que não sei se teve investigação das possibilidades. O que acontecerá a todo um povo vivendo sem parentesco lateral?

                            Vitória, quinta-feira, 23 de outubro de 2003.

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