quarta-feira, 29 de março de 2017


Exasperação Corporal

 

                            Além do ator Van Damme, que disse ser seu corpo seu templo (razão pela qual podemos ver que ele reza a seu corpo e não a Deus), podemos visualizar uma enormidade de gente que vai a um restaurante como a um templo e venera vinhos e alimentos.

                            De épocas de simplicidade corporal passamos a verdadeira alucinação sobre-afirmadora de tudo que diz respeito ao corpo. Está certo que tudo é ciclo e à ausência de cores do período vitoriano deveria suceder-se o contrário, a superafirmação delas (gosto de cores, é tudo muito lindo mesmo), mas creio que estamos exagerando. Os restaurantes fazem propaganda como se indo lá tivéssemos chegando ao paraíso. As pessoas falam de receitas, de viagens e do que comeram lá, de bebedeiras como se fosse uma epifania, uma revelação explosiva e súbita, um deslumbramento capital. Eu bebia par ficar com os amigos; agora é o contrário: levam os amigos para ficar com a bebida.

                            Que gente esquisita!

                            Por toda parte que olhemos há superfixação nas superfícies, nos embrulhos das mercadorias, na supervalorização das imagens, dos aspectos das coisas e das coisas mesmo, não mais dos seres racionais que são o cristal da ponta da lança da Criação e sim daquilo que as encobre e dos objetos que as servem. É a volta ao culto dos bezerros de ouro, dos deuses de ouro. Não do que é leve, do que é espiritual e flutua, mas do que é pesado e afunda. Caímos no materialismo mais abjeto e quase tudo agora é veneração da coisa. Não se mora mais na casa, a casa é que mora nas preocupações das pessoas. Não se usa mais o carro, é o carro que usa a pessoa para perpetuar-se, obter continuidade.

                            Ai, que doideira.

                            Vitória, quinta-feira, 23 de outubro de 2003.

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