quinta-feira, 30 de março de 2017


O Ser de Duas Cabeças

 

                            Mais e mais fico convencido de que o ser humano é um tipo de gênero com duas espécies, HOMEM e MULHER, cuja soma faz o ser único homulher, que tem duas cabeças e em geral dois corpos, isto é, dois corpomentes, portanto duas mentes, cujo ligeiro deslocamento em termos de ótica de percepção do mundo é um poderoso instrumento de sobrevivência, dando-lhe sobre-aptidão na luta pela solução mais apta dos problemas que proporcionam futuro ou sobrevivência.

                            O Modelo da Caverna que adotei depois e cuja origem está Desmond Morris, com seu O Macaco Nu, que é de 1967, nos diz de uma mulher coletora e de um homem caçador, o que criou DUAS MENTES, duas formas notáveis de raciocinar. Fui me conscientizando que isso, a vivência da mulher na caverna e suas proximidades, a fez criar todo ou quase todo índice inicial de civilização. Como as peles e outras interposições que nos protegem das agressões ambientais e pessoais, a caverna constitui um SUPERÚTERO que nos abriga quando saímos do útero materno.                 

                            As cavernas, constituindo-se uma supercapa, criaram esses dois cérebros, a inteligência-caçadora e a inteligência-coletora, a primeira do homem e a segunda da mulher, como já coloquei. Interessante, sobretudo, é como se dá a conversão do menino em homem, renunciando aos valores femininos e passando a valorizar (apressadamente, digo, pois é preciso vencer o “tempo perdido”). As meninas não fazem essa conversão e seriam porisso menos interessantes, se outras coisas não estivessem em curso, pois, lembre-se, é uma grande renúncia, a da rejeição da presença dos garotos, significando uma retração, um encolhimento que precisa ser compensado, além do quê logo os antigos amigos devem ser tratados como inimigos e potenciais predadores, que colocam ovos (os espermatozóides) que vão crescer no corpo da hospedeira. Por outro lado, os meninos devem também renunciar, porém são compensados pelo que acreditam ser (e é de fato) um mundo novo de audácias e arrojos. Como já disse, os meninos devem passar da LÍNGUA-DAS-MULHERES para a LÍNGUA DOS HOMENS, ao passo que as meninas nunca adquirem a versão masculina – aqui estamos pensando nos tempos primitivos.

                            Essa inteligência feminina, como já visto, é de um tipo diferente da do homem, o que provocou sempre através da geo-história essa “guerra dos sexos” que é na realidade guerra de percepções diferentes, é guerra de inteligências distintas. Entrementes, ter sido possível a convivência, ainda que baseada nas pulsões incontroláveis dos hormônios, é o dado significativo.

                            Como essas duas inteligências aprenderam a conviver, se os objetos de que tratavam e, portanto, as psicologias que montaram eram diversas? Se a mulher vê o universo de um jeito e o homem de outro como aprenderam a conviver e a se suportarem, sendo no restante estrangeiros racionais um para o outro? São irmãos siameses colados pelo corpo e separados pela cabeça.

                            O nome da reunião é, como sabemos, família = casamento, o que foi pouco investigado, em face da importância da instituição. O casamento ou família é a sociedade mínima do par fundamental através da qual podem ser trocadas ou co-respondidas aquelas visões ligeiramente separadas. Essa sociedade tão surpreendente, cujo distanciamento é mínimo entre os animais, resguardou a humanidade de sofrimentos maiores, porque o que um não via a outra proporcionava, e vice-versa.

                            Contudo, como são, terminalmente, essas duas cabeças? O que elas vêem, o que enxergam, quão diferentes são?

                            Vitória, sábado, 01 de novembro de 2003.

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