Brincadeira de
Criança
Já vimos que há a
sobrevivência da criança mais apta na luta por sobrevivência. Não são só os
adultos que lutam e sobrevivem, as crianças devem estar vivas aos 18, aos 17,
aos 12, aos 8, após o primeiro ano, quando são, dizendo cruamente, tenras e
digestivas. Ancestrais mães com fome poderiam comer as crianças que logo antes
pariram, essa é a realidade, e estas deveriam se defender oferecendo àquelas,
no sentido de zerar a soma do trabalho de criar, que não era pouco naqueles
tempos tão difíceis – muito mais que hoje –, algum gênero de retorno
quantitativo e qualitativo que obstasse a urgente necessidade de proteínas.
Então, podemos
deduzir que o aprendizado da sobre-vivência é feroz na infância, é uma luta
diária para encontrar as razões e os sentimentos corretos com que responder
adequadamente aos adultos, sem irritá-los a ponto de ruptura; de tantas
inadequações de uns e outros advindo pancadaria, com consideráveis danos às
crianças, muitas vezes até fatais.
As “brincadeiras de
crianças” não são só diversão, constituem fontes inesgotáveis de
ensinaprendizado mútuo. Foram e são pouco observadas, mesmo por Piaget (Jean,
suíço, 1896 a 1980, psicopedagogo infantil). Creio que deveríamos eleger ou
escolher um grupo-tarefa GRANDE de psicólogos – de figuras ou psicanálises
infantis, de objetivos ou psico-sínteses de crianças, de produções ou economias
pueris, de organizações ou sociologias jovens, de espaçotempo ou geo-históricas
dos novos – e demais gente do Conhecimento (mágicos/artistas,
teólogos/religiosos, filósofos/ideólogos, cientistas/técnicos e matemáticos)
geral, de modo a proporcionar uma nova visão do que seja a infância. Se a
humanidade cresceu estrondosamente nos 10 mil anos mais recentes não pode ter
sido com um sustentáculo frágil e incompetente, deve necessariamente ter se
apoiado numa extensa base, o que torna as crianças muito interessantes, pois
constituem em todos os sentidos o embasamento da posteridade. Devem aprender
milhões de linhas de programas ou processos e bilhões de nomes e usos de
objetos e máquinas. Os pesquisadores estão dormindo no ponto, e num ponto em
que nem passa ônibus, de tão deslocados em relação às melhores e mais
verdadeiras razões.
As brincadeiras das
crianças deveriam estar sendo filmadas, fotografadas, gravadas, observadas, estudadas
diuturnamente, para ver de onde saímos e como podemos, num tempo relativamente
tão breve, construir tanto.
Vitória,
quinta-feira, 30 de outubro de 2003.
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