quinta-feira, 30 de março de 2017


Brincadeira de Criança

 

                            Já vimos que há a sobrevivência da criança mais apta na luta por sobrevivência. Não são só os adultos que lutam e sobrevivem, as crianças devem estar vivas aos 18, aos 17, aos 12, aos 8, após o primeiro ano, quando são, dizendo cruamente, tenras e digestivas. Ancestrais mães com fome poderiam comer as crianças que logo antes pariram, essa é a realidade, e estas deveriam se defender oferecendo àquelas, no sentido de zerar a soma do trabalho de criar, que não era pouco naqueles tempos tão difíceis – muito mais que hoje –, algum gênero de retorno quantitativo e qualitativo que obstasse a urgente necessidade de proteínas.

                            Então, podemos deduzir que o aprendizado da sobre-vivência é feroz na infância, é uma luta diária para encontrar as razões e os sentimentos corretos com que responder adequadamente aos adultos, sem irritá-los a ponto de ruptura; de tantas inadequações de uns e outros advindo pancadaria, com consideráveis danos às crianças, muitas vezes até fatais.

                            As “brincadeiras de crianças” não são só diversão, constituem fontes inesgotáveis de ensinaprendizado mútuo. Foram e são pouco observadas, mesmo por Piaget (Jean, suíço, 1896 a 1980, psicopedagogo infantil). Creio que deveríamos eleger ou escolher um grupo-tarefa GRANDE de psicólogos – de figuras ou psicanálises infantis, de objetivos ou psico-sínteses de crianças, de produções ou economias pueris, de organizações ou sociologias jovens, de espaçotempo ou geo-históricas dos novos – e demais gente do Conhecimento (mágicos/artistas, teólogos/religiosos, filósofos/ideólogos, cientistas/técnicos e matemáticos) geral, de modo a proporcionar uma nova visão do que seja a infância. Se a humanidade cresceu estrondosamente nos 10 mil anos mais recentes não pode ter sido com um sustentáculo frágil e incompetente, deve necessariamente ter se apoiado numa extensa base, o que torna as crianças muito interessantes, pois constituem em todos os sentidos o embasamento da posteridade. Devem aprender milhões de linhas de programas ou processos e bilhões de nomes e usos de objetos e máquinas. Os pesquisadores estão dormindo no ponto, e num ponto em que nem passa ônibus, de tão deslocados em relação às melhores e mais verdadeiras razões.

                            As brincadeiras das crianças deveriam estar sendo filmadas, fotografadas, gravadas, observadas, estudadas diuturnamente, para ver de onde saímos e como podemos, num tempo relativamente tão breve, construir tanto.

                            Vitória, quinta-feira, 30 de outubro de 2003.

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