quinta-feira, 30 de março de 2017


A Conversa Cooperativa e o Bar

 

                            No mesmo livro de Daudt Veiga, p. 148, há uma passagem em que ele conta que numa certa viagem de três horas a Búzios foram num carro dois homens e duas mulheres, eles na frente e elas atrás, “distribuição paulista”, como se diz no Rio de Janeiro. Os homens foram conversando, a mulher de um dormindo, a namorada do outro prestando atenção durante aquele tempo, até que depois comentou: “Impressionante, vocês só conversaram assuntos”, o que nos fala tanto das mulheres, que não conversam assuntos, quando da família dela, onde havia disputa de vantagens.

                            Isso me lembrou as conversas de bar, que Gonzaguinha achava ser o local da liberdade; pois nele, geralmente, só há disputa de vantagens: quem comprou ou construiu a melhor casa, quem mudou de carro, quem viajou, quem pegou mais mulheres, quem isso, quem aquilo, sempre o indivíduo como centro do universo.

                            Meu grupo ia aos bares para conversar assuntos, porisso quando cada um casou e dispersou senti a maior dificuldade de conversar em bares.

                            Daudt Veiga chamou a isso “conversa cooperativa”, de co-oper/ação, o ato permanente de cooperar, de co-operar, obrar juntos, construir coletivamente pela troca de informações (e, consequentemente, de controles). Nos bares não há, em geral, conversas cooperativas, ninguém dá nada, só toma, na medida em que a tentativa de provocar n’outrem admiração é tentativa de sujeição, de domínio e submissão alheia. Nosso grupo nunca tentou isso, estávamos sempre tentando aprender, daí sempre ouvindo, sempre acompanhando as percepções dos demais.

                            Muito curiosamente as mulheres também não têm, pelo menos por enquanto, conversas cooperativas. Já vai relativamente longe o tempo em que falavam de empregadas e da criação de filhos, mas mesmo hoje seguem separadas em seus assuntos. Partilham as informações (e os controles) que ninguém quer, sobre namorados, sobre isso e aquilo, conforme vemos nos filmes, mas não sobre suas percepções.

                            Acho que poderíamos medir a hostilidade pessoal (de indivíduos, de famílias, de grupos, de empresas) e ambiental (de municípios/cidades, de estados, de nações, de mundos) pelas conversas cooperativas – se as têm ou não.

                            Vitória, domingo, 02 de novembro de 2003.

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