Eremitas
Se você é uma
tanajura, uma folha, um grão de areia ou um átomo, não é humano e não pode
estar diante das oportunidades de dor e alegria. Se você é humano e renuncia à
sua humanidade é fácil levar a vida: não comendo quase nada, quase nada bebendo,
evitando os conflitos, negando-se a encontrar pessoas – eis aí uma encarnação
que parece difícil, mas é fácil, não se deixar submeter às tentações para não
ter de vencê-las ou pelo menos pacificá-las.
Fora aqueles que se
recolhem porque tem real compaixão para com os humanos seus irmãos e amor a
Deus, os que se retiram da vida não tem o meu aplauso, porque escolheram o modo
fácil. Não vejo muito mérito em evitar todas as opções de vida em retiros, em
mosteiros, em cavernas, em eremitérios quando se trata de privação completa ou
quase completa das sensações e até dos pensamentos. Difícil é estar na vida e é
para isso que cada um foi enviado, seja por Deus ou pela Natureza, pela
Necessidade ou pelo Acaso, ou por ambos. Difícil é assumir os compromissos e
dar conta deles em estado de equilíbrio, evitando as armadilhas e permanecendo
fiel à bondade, cuidando dos outros dentro do possível, doando-se. Veja uma
esfera: se ela se recolhe ao centro, que dimensão de vida terá? Pelo contrário,
será mais louvável aquela que tocando mais pontos não se deixa desviar.
É fácil ser puro
quando não existe impureza nenhuma nos tentando submeter. É fácil ser ingênuo
quando não existe escárnio nenhum abusando de nossa paciência. É fácil ser
não-sendo, não-estando, não-desejando, não-amando.
Não é à toa que
eremita = MORTO, na Rede Cognata (veja Rede
e Grade Signalíticas, Livro 2). Os mortos têm uma vida bem tranqüila longe
do burburinho da existência, mas não podemos dizer que aplaudimos a resistência
deles diante das coisas.
Vitória, domingo, 27
de julho de 2003.
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