domingo, 5 de março de 2017


Eremitas

 

                            Se você é uma tanajura, uma folha, um grão de areia ou um átomo, não é humano e não pode estar diante das oportunidades de dor e alegria. Se você é humano e renuncia à sua humanidade é fácil levar a vida: não comendo quase nada, quase nada bebendo, evitando os conflitos, negando-se a encontrar pessoas – eis aí uma encarnação que parece difícil, mas é fácil, não se deixar submeter às tentações para não ter de vencê-las ou pelo menos pacificá-las.

                            Fora aqueles que se recolhem porque tem real compaixão para com os humanos seus irmãos e amor a Deus, os que se retiram da vida não tem o meu aplauso, porque escolheram o modo fácil. Não vejo muito mérito em evitar todas as opções de vida em retiros, em mosteiros, em cavernas, em eremitérios quando se trata de privação completa ou quase completa das sensações e até dos pensamentos. Difícil é estar na vida e é para isso que cada um foi enviado, seja por Deus ou pela Natureza, pela Necessidade ou pelo Acaso, ou por ambos. Difícil é assumir os compromissos e dar conta deles em estado de equilíbrio, evitando as armadilhas e permanecendo fiel à bondade, cuidando dos outros dentro do possível, doando-se. Veja uma esfera: se ela se recolhe ao centro, que dimensão de vida terá? Pelo contrário, será mais louvável aquela que tocando mais pontos não se deixa desviar.

                            É fácil ser puro quando não existe impureza nenhuma nos tentando submeter. É fácil ser ingênuo quando não existe escárnio nenhum abusando de nossa paciência. É fácil ser não-sendo, não-estando, não-desejando, não-amando.

                            Não é à toa que eremita = MORTO, na Rede Cognata (veja Rede e Grade Signalíticas, Livro 2). Os mortos têm uma vida bem tranqüila longe do burburinho da existência, mas não podemos dizer que aplaudimos a resistência deles diante das coisas.

                            Vitória, domingo, 27 de julho de 2003.

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