terça-feira, 28 de março de 2017


A Fonte Ideológica

 

                        No Conhecimento (Magia/Arte, Teologia/Religião, Filosofia/Ideologia, Ciência/Técnica e Matemática) apareceu claramente que há duas pirâmides, uma alta e uma baixa, ambas centradas pela Matemática; a Filosofia, por exemplo, é a Ideologia alta, enquanto a Ideologia é a Filosofia baixa.

                        O que quer dizer isso?

                        É que a Filosofia é a fonte de onde emana ou sai teoricamente a Ideologia (assim como a Técnica emana ou sai autorizadamente da Ciência), pois é preciso pensar largamente o domínio políticadministrativo enquanto domínio de idéias que são geradas de modo aberto e total na Filosofia. A Ideologia que sai de si mesma é a prática, a que se pode pensar sem grande empenho, a TEORIA QUANTITATIVA, enquanto a teoria é a PRÁTICA QUALITATIVA, meditada, intensificada, profunda.

                        A filosofia prática, que é a ideologia, acaba por apequenar os assuntos só porque não se detém neles grande tempo, não se questiona profunda e intensamente. A filosofia teórica é que é a porção alta. Desse modo, a Ideologia é sempre daqueles que se apressam em apresentar os conceitos e assim ficam na superfície, na forma, na exterioridade. Porisso é que os políticos do Legislativo, os governantes do Executivo, os juizes do Judiciário não aderem à Filosofia – eles têm pressa! Estando assim apressados não querem pensar e vêem em todo aquele que pensa um incômodo, um possível torturador, uma ameaça à estabilidade de sua CONDUÇÃO BAIXA dos assuntos humanos. Todos os filósofos são, para eles, inimigos reais ou potenciais, inimigos que já estão listados como tais ou pessoas (indivíduos, famílias, grupos e empresas – neste caso sempre universidades e institutos) que poderão comprometer as facilidades da vida, se dê esta sem ou com apossamento do alheio. Filósofos são sempre suspeitos, porém ideólogos podem ser ou não inimigos; serão desconfiáveis os do mesmo partido ideológico e possíveis (mas nem sempre) adversários os dos outros partidos – eventualmente cairão na classe dos inimigos toleráveis e compreensíveis, que se poderá com algum esforço ou em alguma necessidade entender e aceitar e acolher. Mas não os filósofos, esses sempre tiram os tapetes de baixo dos pés. Desde que os demais vértices não questionam PROFUNDAMENTE os pareceres superficiais dos políticos eles podem ser aberta ou veladamente amigos: no que cientistas são perigosos para os políticos?

                        Então, a Filosofia não é a fonte primária da Ideologia. É-o QUANDO REBAIXADA, quando privada de sua consciência. Assim, a Ideologia é a Filosofia inconsciente, sentimental, não-racional. Para ser ideologia certa posição filosófica DEVE SER REBAIXADA e para isso há uma classe de quase-filósofos, de pretendentes, de pesquisadores e professores, que faz a conversão ideológica das tensões filosóficas, isto é, de pelegos que intermedeiam o desestressamento, digamos assim, das questões filosóficas, reduzindo-as ao legível, ao que pode ser absorvido sem dano pelos ideólogos e pelos políticos. A Ideologia é, conseqüentemente, apenas corpo, e a Filosofia é com toda certeza a mente.

                        Quem faz esse rebaixamento?

                        São aqueles “intelectuais orgânicos” de que falava Gramsci. Eles não estão apenas colados, não são apenas decalques das crenças capitalistas, eles são seus construtores. Eles se organizam para tal, eles constroem as pontes ideológicas. Pois os políticos não poderiam viver sem justificativas. Como não podem estudar atentamente posições verdadeiras dos filósofos, nem têm competência para o processo CUIDADOSO e verossímil de rebaixamento, para produção das justificativas, devem incumbir outros. Ao contrário dos filósofos, sempre uma pedra no sapato, esses “outros” são queridos e louvados, pois os políticos não viveriam sem eles. E assim eles são pagos, mais do que com dinheiro: com adulações, com bajulações, julgando-se todos grandes seres humanos.

                        Vitória, domingo, 26 de outubro de 2003.

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