terça-feira, 13 de dezembro de 2016


As Duas Vias

 

                            Esse tipo de coisa só acontece na China.

                            Em 1984, nos acordos dos governos da China e do Reino Unido para reincorporação da Hong Kong, falou-se em “um país, dois sistemas”, o que já vinha de Deng Xiaoping, o qual se apoderou do poder depois da morte em 1976 de Mao Zedong (Tsé Tung), chamado de O Grande Timoneiro, ou condutor.

                            Na luta subseqüente com o Bando dos Quatro, a ala moderada saiu vencedora e iniciou as reformas a partir de 1978, no que ficou sinalizado como “economia socialista de mercado” ou “as duas vias”: a China segue socialista, mas adota uma economia de mercado, próxima do ocidental, o que proporciona crescimentos seguidos de mais de 10 % ao ano (ao contrário do “milagre brasileiro”, o impulso dura até hoje, mais de duas décadas de explosão econômica).

                            Quem já viu uma coisa dessas?

                            Em toda parte a mínima abertura ao Ocidente levou à queda da sócioeconomia local, mas lá, não. Resistem já há 24 anos. E, ao contrário do que esperavam os analistas apressados, a China não sucumbiu às promessas ocidentais. Com 1,3 bilhão de indivíduos e 9,5 milhões de km2 de área segue lépida e faceira, como um menininho recém-acordado, cheio de energia, numa sociedade que de existência contínua tem uns 3,5 mil anos, fora o período dos reinos para trás, estendendo-se até seis mil anos antes de Cristo.

                            Em vez de seguir com uma perna só, seguem com duas, mantendo o equilíbrio do corpo e da mente.

                            Não é à toa que se dizem o Império do Centro, quer dizer, entre esquerda e direita.

                            Dispõe de uma religião sem Deus, importada da Índia e desenvolvida ali até os limites, o budismo, de Sidarta Gautama, o Buda (563-483 a.C.), o Iluminado. De uma autêntica religião do Estado só compreendida e aplicada lá, o confucionismo, de Kong Fu Tsé, Confúcio (551-479 a.C.). E de uma religião que não apenas não tem Deus, mas está até além dos mundos, uma teoria do equilíbrio, do T, o taoísmo, de Lao Tsé (por volta de 600 a.C.). Embora o Estado tenha renunciado às religiões, é certo que elas continuam impregnando as elites e o povo, e os governempresas, com uma postura característica altamente firmada em bloco. A extrema proteção do Estado do confucionismo misturada com uma prática dos ciclos do taoísmo, tudo junto do empírico balanceamento das personas do budismo. De um lado o budismo dá comedimento às pessoas (indivíduos, famílias, grupos e empresas), do outro o confucionismo estabiliza os ambientes (municípios/cidades, estados, nação e mundo exterior), enquanto o taoísmo pelo centro diz que o T, ou equilíbrio, é permanente. Além disso, dizem que CRISE é caractere composto de PERIGO + OPORTUNIDADE.

                            Planeja para prazos curtos que no Ocidente seriam julgados longos. Não se assusta com os choques, sabendo que a volta dialética (impressa no taoísmo) trará a incorporação e assimilação dos estrangeiros.

                            É sem dúvida alguma um povelite/nação diferente, um país que deve ser estudado.

                            Quando ameaçado pelo Ocidente, em primeiro lugar criou a República em 1911, depois a República Democrática ou Comunista em 1949 e, em 1978, sob nova ameaça, as Duas Vias. Em vez do monolítico sistema soviético, aceitou “abrir-se” ao estrangeiro, quer dizer, absorvê-lo, o que está se completando com as reincorporações de Hong Kong em 1997, de Macau em 1999 e as conversações com Taiwan, envoltas em falsa crise, por via das quais vai aspirando toda a tecnociência ocidental e japonesa, sequer pagando os direitos de patente, simplesmente copiando tudo. E quem ousa falar alguma coisa?

                            O resultado é que vai emergindo uma verdadeira superpotência permanente, diferente da URSS, estável por si mesma, com a qual não se pode mexer (porque quem gostaria de herdar a carga alimentar de 1,3 bilhão de indivíduos?).

                            Que criaturas!

                            Vitória, terça-feira, 07 de maio de 2002.

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