domingo, 5 de fevereiro de 2017


O Que a Gente Acha Bonito

 

                            Num dos livrinhos que escrevi no Sindifiscal, a Re-Invenção do Tributo, agosto de 1992, coloquei na capa uma citação de Clarice Lispector: “(...) tudo o que a gente acha bonito é às vezes apenas porque já está concluído. Mas o que é hoje feio será daqui a séculos visto como beleza, porque terá completado um de seus movimentos”.

                            Isso nos diz muito.

                            Primeiro, que a Clarice entendia a dialética e o TAO.

                            Segundo, que se hoje achamos a Europa bonita é porque ela está concluída. Talvez não totalmente, mas estará em algum tempo, e começará a fenecer, a morrer, como uma fruta no auge de seu amadurecimento, no pico vindo a estagnação nele ou a descida inelutável. E que a África, se é hoje considerada feia, daqui a séculos será vista como beleza, como já aconteceu com a Europa, a Ásia, a América do Norte, o Egito, o Iraque (Suméria, Caldéia, Babilônia), a Pérsia, a China, o Japão.

                            Terceiro, tudo é movimento que leva do sim ao não e vice-versa - é ciclo, é comparação circular. O feio será bonito, depois será feio de novo e assim sucessivamente.

                            Quarto, as coisas não são belas em si mesmas, dependem de julgamento de valor do julgador, do observador, e assim é sábio o povo, que diz: “a beleza está nos olhos de quem vê”. Como os olhos são a parte externa do sistema externinterno da visão, a beleza é tráfego externinterno no sistema da visão. Fora estão as coisas observadas, dentro os padrões culturais de avaliação do espectador, do interpretador. Mudados os padrões muda a apreciação. Todas as 22 (até agora identificadas) tecnartes mudarão quando a socioeconomia mudar. O que valia no passado não valerá no futuro.

                            Quinto, se o que é feio hoje vai ser um dia visto como bonito, não é de fato feio, só é perante o julgamento dos que agora se julgam bonitos e vão ser julgados feios. Assim, a extrema valorização da beleza atual é por um lado índice de dependência e de fraqueza e por outra cruel exploração psicológica.

                            E assim por diante.

                            Viu quanta profundidade existe nas afirmações dos grandes?

                            Vitória, terça-feira, 11 de março de 2003.

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