terça-feira, 28 de fevereiro de 2017


Procurando as Cidades Costeiras

 

                            Por um motivo difícil de aceitar, os cientistas decidiram que há dez mil anos (ou ainda mais cedo), quando terminou a mais recente glaciação, não poderiam ter existido cidades muito grandes, sequer as pequenas (a primeira foi justamente a bíblica Jericó, que era inicialmente diminuta), e ficou por isso mesmo.

                            De fato, o modelo aconselha a ver tudo como mistura de uniformidade e catástrofes, evoluindo-se calmamente, sem grandes sustos, acumulando-se as tensões que desaguarão repentinamente de seus limites ou forçamentos na represa dos atos até inundar as planícies em volta, em terríveis catástrofes des-reprimidoras. Acontece que o mundo vive um largo tempo de ortodoxias e então há um curto período em que potências equivalentes na senóide avançam em fúria heterodoxa.

                            É esquisito que o Conhecimento alto (Magia, Teologia, Filosofia e Ciência) e até o Conhecimento baixo (Arte, Religião, Ideologia e Técnica), todavia mais ágil e menos reprimido por convenções, não consigam se deixar levar, descongelando-se dos enrijecimentos acadêmicos. É dos acontecimentos potencialmente mais daninhos.

                            Pois nós sabemos que os volumes de água, tendo recuado para os pólos, fizeram o nível dos oceanos baixar até 160 metros, expondo grandes quantidades de terras. Sabemos também da preferência de viver à beira-mar, pela facilidade de colheita de peixes na pesca, pela maior amplitude das comunicações, pelas oportunidades de encontrar os rios e suas fozes, onde há caranguejos e outras fontes alimentares, por tudo mesmo. Pessoas fixam suas residências à beira mar, como acontece hoje maciçamente.

                            Embora tenham os arqueólogos mergulhadores descoberto muralhas ciclópicas dentro d’água do mar, isso não foi adiante, como seria conveniente, nem os governempresas se armaram de paciência e de recursos para as descobertas. Ora, se haviam cidades costeiras, porque não encontramos suas equivalentes em terra? A questão toda é a imensa catástrofe subseqüente, que deve ter sido inacreditavelmente vasta, pelos nossos padrões de sucessão educada de hoje. Imensa violência, com chuvas torrenciais por séculos, com soterramentos, com muitas mudanças.

                            Vitória, segunda-feira, 23 de junho de 2003.

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