domingo, 26 de fevereiro de 2017


A Parte Mais Desagradável

 

                            Em Asimov, p. 244, ele diz:

                            “Mesmo se os colonos quisessem deixar os pontos de liberação ou mesmo se estivessem na Lua e quisessem deixá-la, não haveria necessidade do forte impulso inicial de aceleração que é indispensável para lançar um foguete da superfície da Terra, submetida a grande força gravitacional. Apenas isso já remove de imediato a parte mais desagradável da viagem espacial”.

                            A parte mais desagradável não é essa. Embora nos primitivos lançadores de hoje o grande empuxo signifique a pressão de retaguarda da queima de milhares de quilogramas de combustível líquido, com a possível morte em caso de falha (o que não haveria quase nunca no espaço vazio e seria muito menos significativo na Lua ou em Marte), a parte mais desagradável das viagens no vazio é a extrema solidão, as pessoas não podendo se tocar (como fazemos isso o tempo todo na Terra, não valorizamos, assim como não o fazemos com o ar puro e sem odor, exceto quando ele passa a feder, perto de um mangue), só tendo acesso a conversas metálicas, transmitidas por rádio e reconvertidas (ouvir o telefone é fácil, porque pouco falamos nele, mas pense em ouvir sempre, lembrando-se ainda de como é a VIVA VOZ para a qual não ligamos agora, o chiado fonográfico), com o perigo constante de o traje ser furado por micrometeoritos, ou a penetração constante no cérebro por partículas cósmicas perfurantes, a chance de vômito, ou qualquer dos inúmeros problemas que podem ocorrer.

                            De fato, passaríamos a sentir saudade de nossos problemas terrestres, dos quais pensamos que queremos nos livrar. Como disse um jardineiro japonês num filme: “às vezes o que você já tem é melhor do que o que você quer ter”.

                            Projetando de agora não vemos o que já temos. Quando uma pessoa que reclama de seu próprio país vai viver no estrangeiro as coisas miudinhas, que ele detestava ou às quais não dava atenção e ridicularizava, acabam por tornar-se ícones para ela, objetos de desejo.

                            Como diz o povo, só que tem o calo sabe onde ele dói.

                            Vitória, domingo, 22 de junho de 2003.

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