segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017


Falatório

 

                            Fico assombradíssimo ao reparar que as pessoas falam o tempo inteiro das comidas que comem, que fazem, que compram; dos carros que compram ou vendem; dos seus apartamentos; das roupas; dos lugares a que vão, na Bahia, no Nordeste, no Sul, nos países estrangeiros – inclusive os fiscais, depois que deram uma melhoradinha de vida, um tiquinho de nada. Como são orgulhosos, falando só de si, de esposas e maridos, de filhos, de parentes, de amigos. Sempre de si. E um pouquinho à volta, círculo ínfimo.

                            Quase nunca falam de uma percepção distinta, de uma nova concepção, de lerem algum livro, de alguém que penetrou algo ainda oculto na Natureza, de um avanço médico, de um progresso tecnocientífico ou filosófico, de aprofundamento da religião. Sempre de si. Como compraram bem na feira, os sapatos que adquiriram por tal ou qual preço – um enjôo permanente.

                            Relevam as músicas, os avanços dos artistas, modificações no fabricar dos objetos, quase tudo, exceto essa pegajosa manifestação do eu, esse SUPER ego, esse HIPER eu, essa coisa notável que é a alma centrada no vazio da fome diária do corpo e do espírito. Descobertas da arqueologia, métodos recentíssimos da odontologia, o cerco às doenças, a observação dos quadros e das fotografias, nada lhes interessa, só aquela obsessiva repetição da superpresença de seus corpomentes tão importantes e dos quais ninguém, fora eles mesmo e os poucos que estão em volta, sabem.

                            Blá, blá, blá, tititi, repetição, que andaram 600 km para ir ver uma forma em tal ou qual lugar – tais são as torturas pelas quais passamos. Que sofrimento!

                            Vitória, terça-feira, 24 de junho de 2003.

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