quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017


Motoristas de Ônibus

 

                            Uma vez, faz duas décadas, li no antigo Pasquim (antes do relançamento pela atual editoria), que um motorista tinha morrido debruçado sobre o volante: antes, cuidadosamente, parou o carro no estacionamento e calmamente morreu de ataque cardíaco. Essa imagem ficou na minha cabeça para sempre.

                            Naquele trânsito horroroso do Rio de Janeiro, trabalhando até 14 horas por dia em busca das horas-extras, eles eram e são supersacrificados, ganhando pouco para tanta pressão e trabalho. É a mesma coisa em toda parte, por exemplo, em Vitória, com ligeiras modificações. O mal-humor dos passageiros, as constantes freadas e arranques, o calor, a fumaceira contínua dos demais ônibus, a poluição do ar e sonora, cortar os carros, ser imprensado, ver os vencimentos sendo esmagados pela inflação corrosiva (a de antes, galopante, a de agora mordente do mesmo modo), as broncas dos patrões, a fiscalização dos fiscais da empresa, o perigo de trombar com os demais veículos, a vida deles é torturante, é objeto de tortura constante. É o inferno na Terra, pois certamente há algumas porções deste purgatório que são mais tensas que as demais.

                            E eu nunca vi, nem nunca soube, de algum monumento de agradecimento a eles (e elas, que são pouquíssimas, nestes tempos de “libertação” feminina), uma estátua, uma representação, a mínima consideração por quem nos leva e nos traz, às vezes com certo acerbo mal-humor, também.

                            Não houve quem se lembrasse deles.

                            Então, fica aqui o meu agradecimento pelos milhares de vezes que fui de um lugar para outro, aos seus cuidados (e dos trocadores, vale lembrar).
                            Vitória, segunda-feira, 05 de maio de 2003.

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