terça-feira, 7 de fevereiro de 2017


Matemática Oculta

 

Em seu livro, O Que é uma Lei Física, Lisboa, Gradiva, 1989, Richard Feymann diz às páginas 48/9: “Em primeiro lugar, existe uma lei física, chamada ‘lei de Faraday’, segundo a qual a quantidade de matéria que é depositada num processo de electrólise é proporcional à intensidade da corrente e ao tempo durante o qual essa corrente actua, o que significa que a quantidade de material depositado é proporcional à carga que passa no circuito. Parece muito matemático, mas, na realidade, o que acontece é que cada um dos electrões que passam no fio transporta uma carga. Para concretizar mais as coisas, pensemos que talvez seja necessária a chegada de um electrão para depositar um átomo, de modo que o número de átomos depositados é necessariamente igual ao número de electrões que passaram e, portanto, proporcional à carga que atravessa o circuito. Deste modo, a lei que parecia matemática não tem na sua base nada de muito profundo e não necessita de nenhum conhecimento sério de matemática”, negrito e itálico meus.

Veja o Conhecimento (Magia-Arte, Teologia-Religião, Filosofia-Ideologia, Ciência-Técnica e Matemática) geral, um quadrado com a Matemática no centro. A Matemática aparece em cada vértice de um modo próprio, cada vez mais completo conforme se avance de 1 a 4, da Magia/Arte à Ciência/Técnica, até atingir no limite 100 % de matematização no final da tecnociência.

A Matemática, naturalmente, pode ser expressa de dois modos: 1) o modo de palavras ou de conceitos, que demanda compreensão de cada passo, que é indireto, racional, que ganha em termos de conectividade das equações, e 2) o modo de imagens ou de formas, que é direto, intuitivo, rápido, mas perde em compreensão profunda. O MODO DAS PALAVRAS é esse que Feymann expôs acima como não sendo matemática. O MODO DAS IMAGENS é o das equações ultacompactadas, por exemplo, a conhecidíssima E = mc2, de Einstein, que dá a paridade entre a energia e a massa via conversão luminosa.

Com certeza expressar em palavras não é não fazer matemática, pelo contrário, é o modo mais apurado dela. O modo imaginário ou de sinais, que é este, digamos de ∫ s.ds = s2/2 + C, significando “a soma dos elementos s por diferenciais (quer dizer, há continuidade) é equivalente à metade do quadrado mais um retificador, C, constante de definição da curva”, é com certeza a extrema compactação que é necessária, que é fundamental para quem está dentro, mas que não deveria, de modo algum, ser posta para os que estão entrando, pois perde-se muito do prazer e do gosto da discussão – o que vem a ser uma das coisas mais chatas desse ensino fraco e enjoado de hoje em dia. No interesse de prosseguir rapidamente perdemos carradas de percepções. Ora, a matemática-racional, a de palavras, é implicitamente a dos grandes matemáticos, ao passo que a de sinais é quando ela, já feita, é passada aos de baixo.

Assim, o que é simples na lei de Faraday não é a matemática, é a própria física, é a expressão simples de um fenômeno de transição, um processo que orienta objetos para a montagem.

Feymann, com toda a admiração profunda que tenho por ele, estava enganado.

Vitória, terça-feira, 18 de março de 2003.

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