Matemática Oculta
Em seu livro, O Que é uma Lei Física, Lisboa, Gradiva, 1989, Richard Feymann diz
às páginas 48/9: “Em primeiro lugar, existe uma lei física, chamada ‘lei de
Faraday’, segundo a qual a quantidade de matéria que é depositada num processo
de electrólise é proporcional à intensidade da corrente e ao tempo durante o
qual essa corrente actua, o que significa que a quantidade de material
depositado é proporcional à carga que passa no circuito. Parece muito matemático,
mas, na realidade, o que acontece é que cada um dos electrões que passam no fio
transporta uma carga. Para concretizar mais as coisas, pensemos que talvez seja
necessária a chegada de um electrão para depositar um átomo, de modo que o
número de átomos depositados é necessariamente igual ao número de electrões que
passaram e, portanto, proporcional à carga que atravessa o circuito. Deste
modo, a lei que parecia matemática não tem na sua base nada de muito profundo e
não necessita de nenhum conhecimento sério de matemática”, negrito e itálico
meus.
Veja o Conhecimento (Magia-Arte,
Teologia-Religião, Filosofia-Ideologia, Ciência-Técnica e Matemática) geral, um
quadrado com a Matemática no centro. A Matemática aparece em cada vértice de um
modo próprio, cada vez mais completo conforme se avance de 1 a 4, da Magia/Arte
à Ciência/Técnica, até atingir no limite 100 % de matematização no final da
tecnociência.
A Matemática, naturalmente, pode ser
expressa de dois modos: 1) o modo de palavras ou de conceitos, que demanda
compreensão de cada passo, que é indireto, racional, que ganha em termos de
conectividade das equações, e 2) o modo de imagens ou de formas, que é direto,
intuitivo, rápido, mas perde em compreensão profunda. O MODO DAS PALAVRAS é
esse que Feymann expôs acima como não sendo matemática. O MODO DAS IMAGENS é o
das equações ultacompactadas, por exemplo, a conhecidíssima E = mc2,
de Einstein, que dá a paridade entre a energia e a massa via conversão
luminosa.
Com certeza expressar em palavras não
é não fazer matemática, pelo contrário, é o modo mais apurado dela. O modo
imaginário ou de sinais, que é este, digamos de ∫ s.ds = s2/2 + C,
significando “a soma dos elementos s por diferenciais (quer dizer, há continuidade)
é equivalente à metade do quadrado mais um retificador, C, constante de
definição da curva”, é com certeza a extrema compactação que é necessária, que
é fundamental para quem está dentro, mas que não deveria, de modo algum, ser
posta para os que estão entrando, pois perde-se muito do prazer e do gosto da
discussão – o que vem a ser uma das coisas mais chatas desse ensino fraco e
enjoado de hoje em dia. No interesse de prosseguir rapidamente perdemos
carradas de percepções. Ora, a matemática-racional, a de palavras, é
implicitamente a dos grandes matemáticos, ao passo que a de sinais é quando
ela, já feita, é passada aos de baixo.
Assim, o que é simples na lei de
Faraday não é a matemática, é a própria física, é a expressão simples de um
fenômeno de transição, um processo que orienta objetos para a montagem.
Feymann, com toda a admiração profunda
que tenho por ele, estava enganado.
Vitória, terça-feira, 18 de março de
2003.
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