A Guerra como Amuleto
Lá em Pequiá,
distrito de Iúna (consta no dicionarienciclopédico Koogan/Houaiss, Rio de
Janeiro, Edições Delta, 1993, como tendo a cidade 5,4 mil e o município 37,8
mil habitantes), que deve ter na sede distrital no máximo uns mil habitantes,
tanto de gente que cabe em quatro prédios de vinte andares (4 prédios x 20 andares por prédio x 4 apartamentos por andar
x 4 indivíduos por apartamento = 1.280 moradores) na cidade grande,
constituindo por alto uma quadra, vive Lair, que bebe muito e é muito boa
gente.
Administrava uma
pousada e restaurante, Nora, mas abandonou o negócio, servindo agora, numa
barraca com lona, café, sanduíches e bolos aos motoristas que são obrigados a
parar em razão do Posto Fiscal Zito Pinel. Comentando que outro camarada também
fechou as portas do Nora, disse que agora está difícil, é preciso esperar pelos
resultados da Guerra do Iraque, o “movimento está muito parado”, como diz o
povo. Os motoristas estão arrochados, contando moedas. Para ele tudo vem do conflito.
Na realidade sequer
para o Brasil viria – tudo na verdade é resultado de imaginações férteis e da
ganância dos oportunistas do dólar (que sobe sempre, chova ou faça sol, com
guerra ou na paz, com fartura ou “faltura”). Mas a TV dando as notícias com
tanta freqüência todos ficam assombrados, agitadíssimos, aflitíssimos,
angustiadíssimos.
A guerra virou
desculpa para todas as coisas, serve para explicar tudo, e tornou-se até amuleto,
talismã, encantamento para alguns. Se o feijão não cresce a culpa é da guerra;
se o leite talha foram os fluídos da guerra – que é agora o que os duendes
foram no passado. Isso vem de a mídia ser atualmente onipresente na vida dos
cidadãos. As pessoas não raciocinam mais. Nunca raciocinaram muito, mas antes
eram obrigadas a ponderar mais, quando a TV não trazia mastigadinha a
interpretação oficial. Os preços dos pneus subiram? Faltou fermento? A onda de
seqüestros aumentou? Tudo, absolutamente tudo agora é a guerra, como quando,
durante a ditadura brasileira superafirmava-se o (que nunca aconteceu nas
proporções sugeridas pelos intelectuais) o amordaçamento do povelite
brasileiro, que na realidade nem estava aí para as opressões militares.
Que chato!
Vitória,
sexta-feira, 04 de abril de 2003.
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