terça-feira, 7 de fevereiro de 2017


A Guerra como Amuleto

 

                            Lá em Pequiá, distrito de Iúna (consta no dicionarienciclopédico Koogan/Houaiss, Rio de Janeiro, Edições Delta, 1993, como tendo a cidade 5,4 mil e o município 37,8 mil habitantes), que deve ter na sede distrital no máximo uns mil habitantes, tanto de gente que cabe em quatro prédios de vinte andares (4 prédios x 20  andares por prédio x 4 apartamentos por andar x 4 indivíduos por apartamento = 1.280 moradores) na cidade grande, constituindo por alto uma quadra, vive Lair, que bebe muito e é muito boa gente.

                            Administrava uma pousada e restaurante, Nora, mas abandonou o negócio, servindo agora, numa barraca com lona, café, sanduíches e bolos aos motoristas que são obrigados a parar em razão do Posto Fiscal Zito Pinel. Comentando que outro camarada também fechou as portas do Nora, disse que agora está difícil, é preciso esperar pelos resultados da Guerra do Iraque, o “movimento está muito parado”, como diz o povo. Os motoristas estão arrochados, contando moedas. Para ele tudo vem do conflito.

                            Na realidade sequer para o Brasil viria – tudo na verdade é resultado de imaginações férteis e da ganância dos oportunistas do dólar (que sobe sempre, chova ou faça sol, com guerra ou na paz, com fartura ou “faltura”). Mas a TV dando as notícias com tanta freqüência todos ficam assombrados, agitadíssimos, aflitíssimos, angustiadíssimos.

                            A guerra virou desculpa para todas as coisas, serve para explicar tudo, e tornou-se até amuleto, talismã, encantamento para alguns. Se o feijão não cresce a culpa é da guerra; se o leite talha foram os fluídos da guerra – que é agora o que os duendes foram no passado. Isso vem de a mídia ser atualmente onipresente na vida dos cidadãos. As pessoas não raciocinam mais. Nunca raciocinaram muito, mas antes eram obrigadas a ponderar mais, quando a TV não trazia mastigadinha a interpretação oficial. Os preços dos pneus subiram? Faltou fermento? A onda de seqüestros aumentou? Tudo, absolutamente tudo agora é a guerra, como quando, durante a ditadura brasileira superafirmava-se o (que nunca aconteceu nas proporções sugeridas pelos intelectuais) o amordaçamento do povelite brasileiro, que na realidade nem estava aí para as opressões militares.

                            Que chato!

                            Vitória, sexta-feira, 04 de abril de 2003.

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