quarta-feira, 14 de dezembro de 2016


Há Perigo de Argentinização do Brasil?

 

                            Quando eu estava trabalhando em Pequiá, divisa com Minas Gerais, surgiu o papo da Argentina. Tenho falado do modelo para alguns colegas, e dos ciclos, da sua presumida capacidade de previsão. Falei de quando, em 1994, escrevi um artigo para o jornal circular da SEFA dizendo que o Brasil, lançada a URV (unidade Real de Valor) que conduzia ao Real, passaria pelos mesmos problemas que a Argentina, que tinha embarcado antes. Descrevi alhures que quando a Argentina afundasse, ela se escoraria no Brasil, e perguntei em quem nosso país se ampararia.

                            Disse ainda, naquele ano, logo em abril, que a inflação tinha acabado nos próximos 60 anos, o que espantou muito as pessoas.

                            Então, se agora a Argentina está afundando, o Brasil seguirá seus passos? Creio que não. Naquela ocasião afirmei que FHC teria sete anos para evitar o desastre que o governo mesmo havia plantado. Não porque havia dado fim à inflação e aos juros tremendos da época, pelo contrário, porque não o havia feito antes. Mesmo assim os juros reais brasileiros são um dos maiores do mundo, tolerados pelo governo como forma de superacumulação das elites não-produtivas de fundo cultural português.

                            No papo de agosto ou setembro/2001 em Pequiá afirmei que a Argentina caminharia para a guerra civil. Logo em seguida estimei que a relação peso/dólar iria a 4/1 (chegou até agora a 3,2/1), porque o desestancamento levaria a isso. De fato, no Brasil a relação real/dólar chegou a 2,8/1, baixando agora a 2,3/1, inflação de 130 %. Lembre-se que a Argentina começou uns três ou mais anos antes, o que levaria a uma inflação maior no período de 10 ou 12 anos, decorridos desde o início do plano deles. Em vista disso, grosso modo, poderíamos pensar em 4/1.

                            Como quando houve a súbita desvalorização do real, de 30 % ou mais. Era fácil prever que ele iria a 1,7/1, pois o preço dos produtos e serviços todos apontavam isso. E, depois, para mais que dois por um. O preço das passagens dos ônibus municipais em Vitória passou de 0,30 em 1994 para 0,45 (50 % de reajuste no ano seguinte), depois 0,50, a seguir 0,75 e é agora de 1,00, devendo haver outra greve forjada dos “trabalhadores” (motoristas e trocadores induzidos pelos donos das empresas) em junho/2002, como sempre aconteceu, nestes oito anos. Segue-se que a inflação das passagens foi de 1,00/0,30 = 233 % (o dólar deveria estar a 3,33 reais. Estando a 2,30 reais, isso mostra a força do Real como moeda e produçãorganização).

                            Se tudo isso pode ser pensado, o Brasil seguirá os passos da Argentina, como eu havia previsto?

                            A resposta é que NÃO.

                            Porque a turma de FHC fez direitinho o dever de casa.

                            Não deu independência ao Banco Central, como não tinha mesmo que fazer; não estancou a relação das moedas, o que seria um absurdo; liberou os preços; fez obras “enterradas” fundamentais, para o futuro, e outras evidentes no Brasil em Ação. Ademais o Brasil é muito maior que a Argentina e, PRINCIPALMENTE, não é homogêneo em palavras e ações. Há enormes cidades aqui em 26 estados e o DF, num número incomparavelmente maior que por lá.

                            Há independência de procedimentos, de invenção, de renovação. Há uma liberdade de cruzamentos em todos os sentidos com a qual os argentinos nem sonham.

                            Por via de conseqüência o Brasil está a salvo. Não haverá aqui argentinização, e o país passará ao largo não só desta mas de muitas crises mais, como passou com a do México em 1987, a do Oriente em 1997, a da Rússia em 1998, e assim por diante. Só um colapso total do mundo ameaçaria verdadeiramente o Brasil, e assim mesmo por curtíssimo prazo, dependendo somente da ligeireza da abertura interna. Não é mais como em 1929, quando a nação foi pega de surpresa numa monocultura subserviente do café.

                            Vitória, domingo, 12 de maio de 2002.

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