A Década Perdida
Durante anos os
economistas, os governantes, os políticos e as empresas falaram da tal “década
perdida” no Brasil, de 1980 a 1990, o que é tudo mentira. Por exemplo, o
Calegari pediu que eu comentasse o texto Política
de Comércio Exterior e Crescimento Industrial no Brasil, de Arthur
Barrionuevo Filho, professor do Departamento de Planejamento e Análise
Econômica da EAESP/FGV, publicado na ERA – Revista de Administração de
Empresas.
Como as estatísticas
estão todas distorcidas, só através do raciocínio poderemos realmente saber a
verdade.
A ditadura durou, no
Brasil, de 1º de abril (dizem 31 de março, por conta do “dia da mentira”) de
1964 a 15de março de 1985 nada menos que 7653 dias, ou 20 anos, onze meses e
treze dias, faltando 17 dias para completar 21 anos, morrendo antes de atingir
a maioridade. Ninguém ficou sentido por isso, não.
Entrementes, é certo
que a ditadura, precisando justificar a sua presença com obras, tratou
externamente de conseguir muitos empréstimos para coisas úteis e inúteis, mais
de 100 bilhões de dólares, e internamente apertou o cerco aos sonegadores, que
viveram períodos difíceis.
Passando pelas
crises do petróleo de 1973 e 1980, e vendo a retração dos investimentos e
empréstimos de fora (para além do gasto incrível e desnecessário de Ernesto
Geisel, financiando a falida indústria termonuclear alemã, sendo ele mesmo
descendente), os milicos acreditaram esgotado seu modelo de desenvolvimento de
poucos, e passaram a peteca a outros, para que eles continuassem o processo
democraticamente. Como li num muro de Linhares em 1984: “estamos trocando 20
anos de ditadura por 10 anos de merda pura”. A pura verdade.
Em 1985, ao pegar o
poder com a morte muito estranha de Tancredo Neves, José Sarney certamente
afrouxou o controle, caindo tanto a receita que os governos seguintes tiveram
extrema dificuldade em pagar as contas internas e externas, até a retomada do
serviço pela Receita Federal.
Evidente que desde
João Batista Figueiredo tudo estava correndo pelo Abreu: se ele não pagar, nem
eu.
O resultado foi que
grande parte da economia migrou para o invisível. Tendo entrado em 1984 no
Fisco estadual do ES, em 1988, estando no atual Sindifiscal, então AFES, eu
disse ao ex-secretário de estado da Fazenda, José Teófilo de Oliveira, que a
sonegação passava dos 60 %, do que ele zombou, mesmo sabendo perfeitamente ser
verdade, pois era um dos Delfin-boys do regime militar.
Não sei quanto era,
mas se em 1980 a sonegação estava contida em digamos 10 % e alcançou 60 % em 1988,
tendo multiplicado por 5 em 8 anos, aumentou no todo 50 %, num ritmo alucinante
de crescimento da demência consentida de mais de 20 % AO ANO, verdadeiro festim
de incúria ou desmazelo de um lado e podridão ou devassidão do outro.
Claro, ao final da
década todos estavam felizes, menos os que sofreram com isso. Os governos
desculparam-se inventando a pérfida e totalmente falsa “década perdida”, que é
um desses mitos oficiais.
Mas de onde vieram
todos os televisores, todas as geladeiras, todas as viagens, todas as coisas
que os brasileiros estiveram comprando nessa década? Milhares, centenas de
milhares de microempresas nasceram na ou foram para a clandestinidade, a ponto
de um candidato a presidente, Antônio Ermírio de Moraes, um dos donos da Votorantin,
dizer que 33 % da produção das (grandes, veja só) empresas saíam sem notas
fiscais. Veja que eram as empresas oficialmente aceitas pelos governos, e era
um dos poderosos deste país!
Se segue que é tudo
mentira, é invenção torpe, depravada pervertida, é maracutaia, fraude,
falcatrua mesmo. Que continua a ser propagada pelos que não investigam ou têm
interesse na continuidade da farsa. E assim vão os economistas mentindo a rodo.
SE colar, colou.
Não cola para quem
investiga, indaga, pesquisa, quem não aceita de pronto a propagação do erro.
Vitória, sábado, 15
de junho de 2002.
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