Os Camuflados
As mulheres se
camuflam com as pinturas do rosto, as bijuterias e as roupas. Vejo agora os
crentes vestindo roupas de linho diante de Deus, que é a suprema perfeição: o
que Deus, sendo supremamente perfeito, precisaria ainda ver em termos de beleza
das superfícies?
Faz mais sentido
perscrutar ou explorar as almas, porque são as decisões do ser humano, quanto a
se desviar ou não dos preceitos de retidão, compaixão, caridade que interessam,
fundamentalmente. Visto, como já vimos, que a liberdade é doada pelo Criador às
criaturas, é o que se faz com essa liberdade que é interessante ver. Se Deus é
onipotente (pode tudo), onisciente (sabe tudo), onividente (vê tudo),
onipresente (está presente em todos os lugares e tempos), pela propriedade (de
definição) da onipotência pode apresentar e representar TODAS AS BELEZAS, e
para ele não faria qualquer sentido alguma tentativa de embelezamento. É
diferente quando se faz uma catedral, porque por mais bela que ela seja é
apenas uma prece, ainda que uma oferta canhestra, diante de Deus. O que a
pessoa estaria ofertando com roupas “belas”?
Pecam esses que
assim procedem. Como diz o povo tão sabiamente, “quem não sabe rezar xinga a
Deus”.
Agora, convertendo
esse raciocínio ao campo humano, a camuflagem é nitidamente uma tentativa de
enganar, de vender por mais uma coisa que apresentada naturalmente não teria
preço tão elevado. Assim, quando vejo os iuppies, sinto dó deles e da
socioeconomia que os produziu, contra a qual se bateram inutilmente os hippies,
postos no exagero oposto. Hippies e iuppies são farinha do mesmo caso, assim
como o são também os crentes exagerados e os autoflageladores, os místicos que
passam a pão e água, tentando atrair atenção para si (pois existem os honestos,
que sentem não ser a carne notícia da glória de ELI, Ela/Ele, Natureza/Deus,
considerando-a meramente como suplício que afasta a reverenda criatura da
observação do Criador). Há casos e casos: uns cheiram a ofensa e outros são
verdadeiras oferendas.
O que vai na alma?
Ora, quando olhamos
os camuflados podemos ver que neles a alma é exterior, é só uma casca que
fenece rapidamente, que morre a cada dia. Eles não veem com a alma, com o
interior, com a profundidade - eles vêem superficialmente, eles sentem a Vida
como se fosse uma tintura, um esmalte, uma colagem exterior. E isso é a alma
deles, seja uma camada de pintura, seja um sapato, um vestido, uma jóia, uma
tatuagem, uma casa elegante, um caro, uma conta astronômica exibida em público,
todo esse exibicionismo abjeto que nos faz permanecer humanos inviáveis,
indignos do olhar salvador daquilo que chamamos Deus.
Os camuflados nos
dão diretamente a chance de percebermos como são superficiais, como pretendem
obter conteúdo ou profundidade através da oferta de beleza. Como eu já disse, o
conteúdo precisa da forma, do mesmo modo como a forma suspira por conteúdo e
continuidade, mas tudo tem um limite; esse limite é o da decência. Querer
ultrapassar o mínimo que é reza, que é pedido, que é súplica por perdão e
acolhimento, é demonstração de orgulho, sempre desmedido.
Vitória, domingo, 23
de março de 2003.
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