quinta-feira, 15 de junho de 2017


As Músicas de ASC


 

                            Estava ouvindo Dvorak quando me lembrei que é preciso musicar os filmes de Adão Sai de Casa, o que nos levará às escolhas.


                            Para a cena em que Abraão sai com Taré de Tróia Olímpica queimada, que será depois a de Enéias saindo de Tróia na Eneida de Virgílio, é preciso colocar uma pungente obra desse autor, pois ASC é um épico, é uma linha de fundo que cuida de muitas vidas, como uma semente plantada que vira broto, arvoredo, imensa árvore que apodrece, morre, cai, é comida pelos bichos e fertiliza a terra e a Terra, em cada caso.


                            Quando contei a Gabriel, ele sugeriu que Abraão, ao olhar para trás, rememorasse em flashback tudo que se passou, em relâmpagos muito ligeiros, desde a chegada de Adão ao planeta, dois mil anos antes. Pois o que estará caindo não é qualquer coisa, é A Cidade, a cidade de Adão. Então, Abraão rememorará Adão chegando, a construção da Montanha Iluminada em rápidas pinceladas, a revoada dos deuses, a pesca nos lagos construídos, os passeios nos terraços da Casa Celestial, o trabalho nas oficinas, as voltas a cavalo, as guerras, os amores, as projeções de que ele ouviu falar, todas as belas coisas construídas, voltando-se por fim para diante, para a coluna de cavalos, camelos, porcos, todos esfarrapados fugindo apressados e temerosos, todo um passado glorioso destruído, na frente só o esforço de sobrevivência em vidas muito mais curtas, junto à humanidade.

                            Lá para trás ficaram as glórias, para frente estão as lutas e os embates, a vida relativamente triste e pesada, toda a conspiração que virá nos vários milênios adiante. Então, aquele passado brilhante correndo célere por sua mente subitamente contrastará com a sordidez da coluna de fugitivos. Se não for possível usar Dvorak, compor uma trilha baseada nele, paralela à sua obra, porque é preciso expressar perfeitamente o imenso talude que separa a parte de cima, formidável e única, o passado de ouro, do futuro tenebroso, bem marcada a coluna longuíssima de molambentos, resultante de muitos séculos de opressão.
                            Vitória, sexta-feira, 30 de abril de 2004.

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