As Músicas
de ASC
Estava ouvindo
Dvorak quando me lembrei que é preciso musicar os filmes de Adão Sai de Casa, o que nos levará às
escolhas.
Para a cena em que
Abraão sai com Taré de Tróia Olímpica queimada, que será depois a de Enéias
saindo de Tróia na Eneida de
Virgílio, é preciso colocar uma pungente obra desse autor, pois ASC é um épico,
é uma linha de fundo que cuida de muitas vidas, como uma semente plantada que
vira broto, arvoredo, imensa árvore que apodrece, morre, cai, é comida pelos
bichos e fertiliza a terra e a Terra, em cada caso.
Quando
contei a Gabriel, ele sugeriu que Abraão, ao olhar para trás, rememorasse em
flashback tudo que se passou, em relâmpagos muito ligeiros, desde a chegada de
Adão ao planeta, dois mil anos antes. Pois o que estará caindo não é qualquer
coisa, é A Cidade, a cidade de Adão. Então, Abraão rememorará Adão chegando, a
construção da Montanha Iluminada em rápidas pinceladas, a revoada dos deuses, a
pesca nos lagos construídos, os passeios nos terraços da Casa Celestial, o
trabalho nas oficinas, as voltas a cavalo, as guerras, os amores, as projeções
de que ele ouviu falar, todas as belas coisas construídas, voltando-se por fim
para diante, para a coluna de cavalos, camelos, porcos, todos esfarrapados
fugindo apressados e temerosos, todo um passado glorioso destruído, na frente
só o esforço de sobrevivência em vidas muito mais curtas, junto à humanidade.
Lá
para trás ficaram as glórias, para frente estão as lutas e os embates, a vida
relativamente triste e pesada, toda a conspiração que virá nos vários milênios
adiante. Então, aquele passado brilhante correndo célere por sua mente
subitamente contrastará com a sordidez da coluna de fugitivos. Se não for
possível usar Dvorak, compor uma trilha baseada nele, paralela à sua obra,
porque é preciso expressar perfeitamente o imenso talude que separa a parte de
cima, formidável e única, o passado de ouro, do futuro tenebroso, bem marcada a
coluna longuíssima de molambentos, resultante de muitos séculos de opressão.
Vitória,
sexta-feira, 30 de abril de 2004.
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