Quando a Montanha e o Vale se Casaram
e o Festão que Foi a Reunião dos Dois
Olhando uma montanha
alta e inacessível podemos pensar o que aconteceria se ela apenas caísse tão
fundo a ponto de haver um abismo mergulhando eternamente para baixo, a ponto de
aquele portento de poder e glória do Céu não ter serventia. Olhando as
profundezas tão vazias, sem receber nada de cima, podemos pensar em utilidade
para elas, tão aptas para tantos empregos, mas sem ambição nenhuma de altura e
arroubos, vazias mesmo. Então a gente começa a pensar como seria tão bom se o
alto céu e a terra tão rasteira tivessem se casado e produzido prole que é
terracéu, como a chamei, vale tão alto que não fica sendo somente grama que
rasteja nem apenas nuvem que nunca se chega à roda dos de baixo; sim vale plano
e cheio, tão útil à sustentação de vida, tão comum e satisfatório, tão bucólico
e roceiro, tão castiço, próprio para reproduzir, e suscetível, capaz de
produzir futuro.
Acho que é bom quando
os pares polares opostos/complementares se opõe um tanto a ponto de melhor se
complementarem depois. Assim homem e mulher, Norte e Sul, branco e preto, Leste
e Oeste, sim e não. E acredito que ambos devem ver no outro a necessidade de
produzir os filhos, que comportam ambas as qualidades. Porque a profundeza é
aquele lugar tão fundo quanto a montanha é alta. O que nós chamamos de vale é
mesmo o solo que desceu da montanha e formou uma bacia de sustentação: é vale
aquilo que a profundeza recebeu da montanha e propiciou nesse encontro o
prosseguimento da existência. Nem um nem outro isolado, tornam-se a soma
produtiva e reprodutiva dos dois.
Assim, o grande
esforço é transformar-se em TERRACÉU (casamento de Terra-e-Céu): nem tão alto
que não tenha os pés no chão, nem tão chão que não voe de vez em quando, pois cada
um deve realizar esse esforço de SER O OUTRO. Não é fácil, é difícil para mim
também. Não é fácil a montanha lá de cima achar utilidade nas profundezas que
nada parecem ter; nem é fácil para as profundezas encher-se de obrigações alheias.
Parece ser melhor cada um seguir na sua, sem qualquer encontro. Eu sei. Você
sabe.
Todos nós estamos
esperando por esse lindo casamento, e pelo festão que será, certamente durando
muitos milênios.
Vitória, sábado, 19
de junho de 2004.
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