Liberdade na Árvore
Com
sua mente desenhe no espaço o sistema tricoordenado de Descartes com três
planos se encontrando para formar acima e abaixo, à frente e atrás, à esquerda
e à direita, com oito octantes (se fossem duas retas seriam quatro quadrantes)
em torno do zero (0, 0, 0) dos eixos X, Y e Z.
Coloque esse desenho
no centro geométrico de uma árvore.
Você vê que agora,
colocado um delimitador, temos cantos, que a Clarice Lispector deplorava
(“cercas delimitando cantos que não seriam cantos não fossem as cercas
arbitrárias” – creio que essas foram as palavras). Quer dizer, convenções ou
vontades delimitam e classificam.
Veja que de única a
árvore passou a ter oito octantes, com folhas separadas em classes-octantes, em
oito castas (= CANTOS, na Rede Cognata) que poderiam até se estranhar, fossem
elas racionais. Com base nessas separações seriam feitas guerras, que a árvore
única não propõe. Não nos basta a solução simplória de diz que tudo será
acertado, que tudo doravante será felicidade, que tudo se resolverá, que
viveremos em estado de contemplação do Paraíso – devemos inventar nosso estado
de saúde.
Veja que antes de
classificar havia liberdade na árvore.
Ninguém dizia que
uma folha estava acima de outra, nem atrasada à esquerda no tempo, nem atrás
das que se sentiam à frente. Acima e abaixo, à frente e atrás, à esquerda e à
direita não tinham sido palavras inertes depois valorizadas pelas separações
arbitrárias. Cada folha da árvore podia ser, dentro do limite de ser daquela
árvore (a liberdade não é tanta que abacateiros tenham folhas de abacaxizeiros
ou de coqueiros ou de milharal ou do que seja; laranjeiras tem folhas próprias
e só suas), do jeito que quisesse. Por exemplo, não se pode matar – há certas
regras invioláveis. Não as rompendo tudo é permitido às folhas, todas são úteis
e necessárias. Umas estão para o sul, outras para o norte, umas mais no alto e
outras mais embaixo, umas são maiores e outras menores e todas servem à árvore,
à sua prosperidade e estabilização.
Para seres que se
dizem racionais somos os humanos bem irracionais. As barbaridades que cometemos
com as liberdades alheias nas mínimas coisas são estarrecedoras. Deveríamos
criar uma Escola da Árvore que a olhasse e admirasse.
Vitória,
terça-feira, 27 de abril de 2004.
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