terça-feira, 3 de janeiro de 2017


Arquitetura Agressiva

 

                           Pensei escrever uma série de livros mais vastos, de 200 ou 300 páginas, e tenho uma quantidade de títulos, uns 60, de forma que só aí já vai outro projeto de vida (de 12 a 18 mil páginas) bastante formidável em sua ambição, porque paralela às outras atividades, que são muitas.

                            Um desses livros é Anticubo, porque, veja, as nossas construções são sempre paralelepípedos. Lá por 1977 ou 1978 (sei porque foi antes de papai morrer em outubro de 1978) eu namorava a Gorete, com quem travei debates agudos, eu dizendo que as construções de então pareciam caixas de sapato postas em pé, que precisavam de projeções, de certos confortos para os moradores, o que acidentalmente ocorreu depois.

                            Nos filmes de FC os tecnartistas estão sempre colocando construções arredondadas, que são mais do seu feitio, do lado da vida, enquanto as quadradas denotam o artificialismo greco-romano, por contraposição ao oriental, dominado presentemente. Ou seja, a “eficiência” tecnocientífica, tendo suprimido ou afastado do cenário de dominância os outros modos de conhecer (Magia/Arte, Teologia/Religião, Filosofia/Ideologia), quer o rendimento direto, a eficácia incisiva, contundente, cortante – sendo a menor distância entre dois pontos uma reta. Contudo, não é sempre assim. Embora a menor distância entre dois planetas seja uma reta, o campo gravitacional obriga a fazer longas curvas. Ir direto ao ponto pode ser contraproducente.

E esse afastamento forçado do equilíbrio 50/50 da soma zero dos pares polares opostos/complementares no Ocidente, com ultra privilégios para o lado reto e afastamento do lado circular, significou restrições derivadas das resistências humanas, do desamor associado às pressões, do desconforto psicológico cuja solução curva teria levado a rendimento maior derivado do sossego socioeconômico.

                            Em resumo, essa arquiengenharia agressiva, de retas e pontas aguçadas que ferem nossas almas em busca de quietude, essa falta de amaciamento, de brandura, de sensibilidade, esse contraste abusivo dos choques dos bicudos que não se beijam, levou certamente o Ocidente a essa agressividade que se espalhou como um câncer e agoraqui nos assusta por sua violência inaudita, que inclusive atingiu minha família, na pessoa do meu irmão mais velho, Ary.

                            As pessoas podem se perguntar o que tem a ver os objetos, as casas, os prédios, as ruas serem retas com a gente ter se tornado agressiva. Tem tudo a ver, como um pouco mais de raciocínio acadêmico pode mostrar, ou eu o farei, tendo tempo, no texto projetado.
                            Vitória, segunda-feira, 11 de novembro de 2002.  

A Preocupante Verdade

 

                            O fascistóide (não digo fascista, porque até para isso é preciso ser grande, embora do modo errado) livro de Paul Kennedy, Preparando para o Século XXI, Rio de Janeiro, Campus, 1993,            ele diz à página 21: “A menção do México e da Nigéria nos aproxima da essência do problema, ou seja, que esses aumentos estão acontecendo, esmagadoramente, nos países em desenvolvimento. De fato, entre hoje e 2025 cerca de 95 % de todo o crescimento mundial da população ocorrerá nesses países. Na estimativa de que a taxa ‘média’ de crescimento anual da população do mundo em 1990-1995 será de 1,7 % estão ocultas algumas diferenças espantosas, que vão do pequeno aumento na Europa (0,22 % ao ano) até a taxa de expansão muito maior da África (3,0 % a.a.). Talvez a maneira mais dramática de mostrar essa diferença seja observar que em 1950 a população africana era a metade da européia, em 1985 tinha empatado (cerca de 480 milhões de habitantes, cada) e em 2025 deve ser três vezes maior (SIC) (1,58 bilhão contra 512 milhões) ”.

                            Ou seja, os bons e adiantados estão crescendo pouco, enquanto os maus e atrasados estão crescendo muito.

                            Veja que não é “três vezes mais” e sim três vezes tanto quanto: 1580/512 = 3,09. De qualquer forma a taxa africana baixará, como a do Brasil baixou, a da Europa, dos EUA, da Rússia, do Japão, de todos os países que se adiantaram um pouco mais, PORQUE, certamente, a África também dará saltos.

                            Veja só o que os revolucionários de Chiapas, no México, fizeram por nós: Paul Kennedy escreve em 1993, depois do Setembro Negro de 1987, com a moratória mexicana. Nesse ínterim os EUA emprestaram US$ 40 bilhões, que o México está pagando, e Canadá, EUA e México se unirão no NAFTA, Acordo de Livre Comércio da América do Norte, na sigla em inglês (North-American Free Trade Agreement), e o México vem prosperando assombrosamente desde 1995, pelo menos, por sete anos seguidos.

                            Agora, com o medo de os guerrilheiros das FARC, Forças Armadas da Colômbia, contaminarem o país MUITO MAIS importante que é o Brasil, os EUA estão apressando a instalação da ALCA, Área de Livre Comércio das Américas (também como meio de enfrentar a Europa e a área de acordo e domínio da China-Japão), querendo adiantá-la de 2005 para 2003.

                            Esses dois, NAFTA e ALCA são o equivalente do Plano Marshall para a recuperação do Oriente depois de 1945, visando subtraí-lo da influência comunista Russa e Chinesa. A Coréia do Norte, muito sabiamente, está tentando negociar aproveitamentos com base numa ameaça real ou imaginária.

                            Para resumir, o México disparou socioeconomicamente. Nem de longe declinou como esperavam apenas seis anos antes, pelo contrário, empinou para cima e não vem parando nada mesmo. Já não se contam as zombarias americanas em filmes, como antes, até porque agora seria ferir um parceiro muito mais importante. A Nigéria, que não tem nenhuma guerrilha preocupante, ficou de fora, bem como toda a África.

                            Com relação aos, aceitemos, 1,6 bilhão de habitantes da África, lembremos que o continente é imenso, maior que a América do Sul (esta tem aproximadamente o dobro da área do Brasil, que é de 8,5 milhões de km2, então uns 17,5 a 18,5 milhões de km2, ao passo que a África chega a 30,3 milhões de km2. A densidade populacional da África é de 1/3 da Européia, grosso modo, de maneira que em 2025, a dar-se o que Kennedy está prevendo, estariam empatadas.

                            Quero dizer que o fato de a África ter possuído 1/3 da gente européia em 1950, de ter empatado com a Europa em 1985 e poder ter 40 anos depois, em 2025, segundo projeções contestáveis, o triplo daquela, portanto ter multiplicado a população por nove (9) em apenas 75 anos, não tem um significado tão grande.

                            A preocupante verdade não é o crescimento demográfico, que se deu no passado, que se dá no presente e se dará no futuro, para o qual tem havido soluções, de um modo ou de outro, que permitiram a continuidade da civilização, mercê das mensagens reparadoras dos iluminados, e sim o FATO IRRETORQUÍVEL de que não há confiança no ser humano. Infelizmente não há. Depois de tantos milênios de ensinamento ainda não há. Essa é a tristeza maior.

                            Falta confiança, que é via de mão dupla, que é acreditar realmente no próximo, como Jesus pediu.

                            Essa é que a verdade mais preocupante.
                            Vitória, terça-feira, 12 de novembro de 2002.

A Experiência dos Robôs

 

                            Os canais Discovery noticiaram uma experiência feita com pequenos robôs que circulavam numa bandeja redonda de bordas altas, dentro das qual estavam pequenos cilindros, que as maquininhas deveriam pegar e levar até outro cilindro igual, depositando-o ao pé do mesmo. Com o tempo, da desordem geral apareceu a ordem, o que provocou maravilhamento dos tecnocientistas.

                            É que, desde o princípio, houve uma petição de princípio, porquanto a colocação de um perto do outro, que era a ordem original, levaria a que, já dois juntos, um fosse considerado aquele perto do qual o terceiro cilindro que estava sendo transportado seria deixado. E assim sucessivamente, de três, até que todos formassem uma coisa bem próxima de um círculo, um aglomerado qualquer PORQUE, desde o início, o programa levava a isso.

                            Se, pelo contrário, o programa dissesse que os cilindros fossem deixados em qualquer lugar, e não perto de outro, e no fim se produzisse ordem, aí sim ficaríamos admiradíssimos, até mesmo apavorados. Não foi isso que aconteceu PORQUE, desde a saída, os autores do programa deram a ordem de COLOCAR JUNTO, o que levava à conclusão.

                            Isso nos diz como experiências mal-feitas em tecnociências podem conduzir a conclusões bem-feitas, que eram as desejadas desde logo, à partida. Aqui devemos pensar somente em como o cérebro trabalha para suprimir os laços intermediários, construindo o final a partir do início por supressão das seqüências que demonstrariam o erro da proposta. O que faz os seres humanos subtraírem de si mesmos a dignidade? Essa é a pergunta apavorante.
                            Vitória, terça-feira, 05 de novembro de 2002.

A Ilusão dos 100 %

 

                            Veja só a questão do absolutismo, o excesso de absoluto.

                            No modelo já vimos que várias coisas são absolutas: a pobreza, o desconhecimento, o não-poder, a forma. O absolutismo, sobre ser a superafirmação do absoluto, digamos das formas ou figuras ou superfícies, é absurdo, EXCETO PARA UM, Deus, que atinge mesmo o centro, e não é relativo, caminhando pelas verdades relativas até a única Verdade absoluta, que renasce como figuras gerais.

                            Agora, vejamos isso pelo lado dos 100 %.

                            Organizei a partir da margem estatística de erro de 5 % a superesquerda como 2,5 %, a esquerda como 47,5 %, a direita como 47,5 % e a superdireita como 2,5 %, perfazendo os 100 %. Se 97,5 % fossem suprimidos pela superdireita, como pretendem os ultradireitistas, os fascistas, imediatamente os 2,5 % se tornariam outra vez 100 %, de forma que poderíamos calcular em quanto tempo uma população de seis bilhões seria reduzida a perto de zero, ao par fundamental homulher.

                            Na fórmula y = xn os 6.109 bilhões de seres humanos deveriam ser hipoteticamente reduzidos a dois, homem e mulher, daí 2 = 6.109. (1/40) n, pois 2,5 % são 1/40, um quadragésimo de 100 %. O (1/40) n opera contra os 6.109 para reduzi-los a apenas dois. Teríamos n = 5,92, aproximadamente, ou seja, menos de seis períodos. Se o ano fosse escolhido como período, primeiro os fascistas matariam 39/40 de seis bilhões, restando 150 milhões, e assim iriam, até que no sexto ano ficaríamos só com duas criaturas, uma olhando a outra como antifascista.

                            Aquele absolutismo do fim da Idade Média, início da moderna, lá por 1700, dos reis da França e outros, não passava mesmo de patacoada, bazófia, tolice, disparate. NENHUM ser racional, e não apenas meramente humano, pode chegar sequer perto do que é o absoluto, de forma que toda afirmação é orgulho vão.

                            Então, os 100 % não passam de ilusão. A perfeição, como disse Gilberto Gil, é uma meta, é uma merda. Tentar chegar a ela é esgotar recursos. Daí que, seja na arquiengenharia, seja nas tecnartes em geral, para citar, a ourivesaria, produzir obras impecáveis, perfeitas, não passa de afirmação posta no vazio. O melhor é eleger um objetivo percentual, do tipo 95 %, ou o que for, e se contentar em chegar lá.

                            Vitória, terça-feira, 12 de novembro de 2002.

A Conquista das Fitas de Herança

 

                            No livro Preparando para o Século XXI, Rio de Janeiro, Campus, 1993 (excepcionalmente a mesma data do original americano, indicando que o livro foi considerado muito importante pela editora – entretanto, é um texto fascista e constrangedor), o autor, Paul Kennedy, diz à página 19: “Como iremos ver, essas disparidades regionais são o aspecto mais crítico. Se a população da Terra se estivesse expandindo e devorando recursos em ritmo igual em todo o planeta, já seria bastante sério. Mas o fato de que povos diferentes produzem padrões demográficos muito diferentes – alguns crescendo depressa, outros estagnados, e outros ainda em declínio absoluto – torna a questão ainda mais problemática”, colorido meu.

                            Como se vê, é a continuação dos argumentos do Clube de Roma no livro Os Limites do Crescimento, tudo posto numa nova roupagem mais macia, e não tão direta e ofensiva.

                            Isso nos permitirá raciocinar sobre as fitas de heranças.

                            Veja o ADRN como uma FH ao nível da célula, na micropirâmide (campartícula fundamental, subcampartículas, átomos, replicadores, células, órgãos e corpomentes). São vários replicadores, o ADRN é um só. Portanto, a célula têm várias FH. Temos dois grupos, de FH físico-químicas e biológicas-p.2

                            Mais acima, na mesopirâmide (indivíduos, famílias, grupos, empresas, municípios/cidades, estados, nações e mundos), temos as FH psicológicas-p.3 e informacionais-p.4. O que a Vida (e até antes dela) faz é conquistar as FH, é montá-las e conquistá-las. A verdadeira predação é de informação-controle/comunicação, info-controle ou IC. Então, estamos montando e passando adiante as FH psicológicas, artificiais, não mais naturais como antes.

                            Uma empresa é uma FH psicológica (são passadas adiante as figuras ou psicanálises; os objetivos ou psico-sínteses; as produções ou economias; as organizações ou sociologias; os espaçotempos ou geo-histórias). Então, na realidade, o que passamos são almas, razões, raciocínios das, e sobre as figuras. O verdadeiro patrimônio são as pessoas (indivíduos, famílias, grupos, empresas) nos seus ambientes (municípios/cidades, estados, nações, mundos). Passamos e repassamos pessoambientes governempresariais políticadministrativos produtivorganizativos. ESSA É A RIQUEZA verdadeira, nenhuma outra. Não passamos objetos, porque o que faríamos com eles sem pessoas?

                            Os idiotas pensam que passam terrenos de fábricas, paredes, maquinário, carros, aparelhos, instrumentos, programas. Não, de modo algum, o que passamos mesmo são pessoas, almas, razões e redes de relações internas e externas (isso sequer é mencionado nas transações e nem se dá importância, de tal modo os seres humanos estão alienados de si e de seu coletivo de trabalho).

                            Ele teme pelo declínio demográfico da Europa e pelo crescimento mais lento dos EUA sendo “engolfado” pelo crescimento muito mais acelerado dos outros povos. Tudo que é “bom” está declinando, estagnado ou crescendo a ritmo lento, enquanto tudo que é “ruim” está multiplicando aceleradamente. Mas antes era a Europa e os EUA, para não dizer o Japão, que estavam crescendo exponencialmente, em termos de população, o que preocupou Malthus, porque a Revolução Industrial se deu lá na Inglaterra, em primeiro lugar, e foi sentida racionalmente também lá em primeiro lugar.

                            Se os EUA, a Europa e o Japão puderam construir FH que fossem bastante sábias para retardar ou anular a explosão da chamada “bomba demográfica”, porque não o seriam os demais países? É muita falta de confiança, é ou não é?

                            No fundo o Fascismo geral é essa falta de confiança, a idéia de que os outros não serão sábios o bastante. Sempre os outros. Como Bob Fields (Roberto Campos) disse, copiando alguém, “o inferno são os outros”.

                            Os outros povos SERÃO CAPAZES porque por um lado conquistarão as FH européias, americanas e japonesas, imitando-as, e por outro lado irão criar também, até mais proveitosamente.

                            É no que confio.

                            Vitória, terça-feira, 12 de novembro de 2002.

A Capa Protetora dos Grandes

 

                            No seu texto, O Livro das Idéias (Um dicionário de teorias, conceitos, crenças e pensadores que formam nossa visão de mundo), Rio de Janeiro, Campus, 2000, Chris Rohmann diz na página 367: “Embora seja lembrado principalmente como economista, Smith era formado em filosofia moral. Seu primeiro livro, Teoria dos Sentimentos Morais (1759), era um ensaio de ÉTICA, mas também expôs vários temas que ele veio a desenvolver em sua principal obra de economia, A Riqueza das Nações, inclusive a idéia de que o interesse próprio e o altruísmo não são incompatíveis”, colorido meu.

                            De fato, o dicionário tem dois lados, os dois conjuntos de pares polares opostos/complementares. Sendo assim, há egoísmo, o extremo do ego, o eu autocentrado, e há altruísmo, o extremo do alter, o outro, a descentralização do ego.

                            Então, o quarteto egoísmo, ego, outro e altruísmo, de um extremo a outro, não é absolutamente incompatível; aliás, é parte do desenho do mundo. Acontece que Adam Smith privilegiou o lado do EGO, através da “mão invisível”, um instrumento de fora que corrigiria o que desse errado, um fantasma da máquina, sua alma, que faria com que no final tudo desse certo. Devemos ver que a evolução socioeconômica é artificial, psicológica (psicanálise ou figuras; psico-síntese ou objetivos; economia ou produções; sociologia ou organizações; geo-história ou espaçotempos), uma matriz de vetores que deveria ter soma zero, mas que efetivamente não tem, há desvios que, como no super-reino natural biológico/p.2, conduzem a becos sem saída, como já aconteceu tantas vezes, para tantas civilizações, indo cada uma a esse beco por conta própria ou sendo suplantada por outras de rendimento maior.

                            Em primeiro lugar, para o Ocidente a “mão invisível” foi principalmente Jesus, e mais remotamente a conjunção greco-romana com o judaísmo. Em segundo lugar, o coletivo comporta em si as correções, via revoltas contra as pressões excessivas dos dominantes, no caso a civilização de fundo anglo-saxão e a ética cristã-protestante do trabalho. Então, aquelas soluções inesperadas proporcionadas quando o carro está para descarrilar, tal “mão invisível”, é um conjunto de procedimentos que se apóia em planos muito mais vastos do que a liberdade inserida por Smith, essa justificação prévia de tudo que os capitalistas doravante fizessem, mas autorização tão elaborada que eles não vissem que era meramente um cartaz de propaganda dos valores endógenos, FOSSEM ESSES QUAIS FOSSEM, porque, de qualquer forma, por trás estava a mão de Cristo segurando e impedindo que o Ocidente tropeçasse e caísse. A imagem que nos vêm à mente é mesmo a de um Anjo da Guarda, que fica à nossa volta evitando nossos tropeços, quando não somos insistentes demais em ir pelo caminho errado. A “mão invisível” protegendo por trás tudo haveria mesmo de dar certo, por mais bandido que fosse o sistema. Teríamos aí uma elasticidade notável, muito assombrosa mesmo, que vem sustentando tudo que o Ocidente fez de errado por séculos e séculos afora. Acontece que a mensagem de Cristo é poderosa, mas cede algumas vezes, quando há abusos.

                            Olhando por esse prisma, os acadêmicos deveriam distanciar-se para elaborar uma visão mais vasta, um cenário completo desses desvios, que foram compensados até sem que o soubéssemos, senão agora e aqui. Quando e onde, história e geografia dos ultrapassamentos, das situações em que os excessos dos capitalistas e burgueses, por exemplo, para contar apenas depois de Adam Smith, conduziram o mundo a situações de ruptura.

                            Ou seja, onde ocorreram as compensações coletivistas do personalismo introduzido por Smith? Onde o planejamento governamental repôs os descomedimentos empresariais?

                            Vitória, segunda-feira, 11 de novembro de 2002.

Vestir Bem

 

                            Por ter sido chamado a membro do Tribunal do Júri de Vitória tive de vestir terno depois de 30 anos (o primeiro que tive, usado no batismo do primeiro filho de Ary, meu irmão mais velho, acabei doando a um amigo, Pascoal – na realidade emprestei, mas ele nunca devolveu). Por acidente fui ao Sindifiscal e um dos diretores, W, disse que só a Justiça pode fazer certos colegas se vestirem bem.

                            Isso me deu oportunidade de pensar sobre o “vestir bem”.

                            Ora, tendo dinheiro e tempo qualquer um que queira se dedicar a isso pode se “vestir bem” PORQUE as roupas são pensadas pelos tecnartistas da moda, os estilistas, como se diz agora, os modistas, como se dizia antes, e confeccionadas por pessoas gabaritadas, grandes costureiras ou costureiros. Os tecidos são escolhidos de um grande leque de ofertas atuais, em quantidade e em qualidade, vários tipos de padronagem com todo tipo de caimento.

                            Tendo-se dinheiro pode-se ir a lojas em centros de compra (shopping centers, para quem não reconhece a forma em sua própria língua), ou a milhares de lojas existentes em Vitória, no ES, do Brasil e no mundo, até. Ganhando o que nós fiscais ganhamos, agora em torno de 6,0 mil líquidos (eu, a partir de setembro/2002), QUALQUER UM pode se vestir “bem”.

                            Sem entrar na questão do julgamento de valor, que seria um estonteante debate filosófico, fica apenas a tendência a seguir modas, e eu não sou de seguir nada. É preciso querer estar inserido, e eu não quero estar inserido nessas coisas. Depois, meu dinheiro é mais bem aplicado em livros e em conhecimento em geral, que custa caro e para tantos não tem valor algum.

                            Mais ainda, para alguns, se vestir “mal” tem essa característica benéfica de afastar o tipo de gente que preza a segunda pele, ou seja, toda espécie de pessoas que valoriza a aparência, quando se está envolvido com o pensar. É uma maneira ótima de afastar os tolos (outra é andar sem dinheiro – ninguém, fora os amigos, quer pagar para os “duros”).

                            Peguemos a altura, a largura, a profundidade de uma pessoa, seu tipo físico, algum dinheiro, alguma paciência para escolher, particular tendência a gastar tempo em futilidades, a desobrigação de pensar em qualquer coisa por ela já encontrar o mundo pronto em quase tudo (por haver uma coletividade imensa que sustenta seu grau elevadíssimo de despreocupação e individualismo) e pronto! Voilá! - como dizem os franceses. É num piscar de olhos. É porisso que há relativamente tanta gente “bem vestida” no mundo e relativamente tão poucos pensamentos que desnudem os conteúdos compreensivos.

                            Vitória, quinta-feira, 24 de outubro de 2002.