Esculpido e Encarnado
Encontrei um doido na rua que se dizia
mágico.
Fiquei pensando: “cada maluco que me surge”.
“Quanto mais rezo, mais assombração aparece”.
Ele se dizia artista.
Ele era bom, me dispus a aprender com
ele as artes da escultura, alto e baixo relevo, estatuária, tudo mesmo. Posso
dizer que era bom, bom mesmo, o bicho era competente, me ensinou a mais fina
arte.
O povo diz “cuspido e escarrado”
quando quer dizer “esculpido e encarnado”. Pois só assim para descrever a
fidelidade das obras, não só as dele como também as minhas. Tinha que seguir um
ritual, falar umas palavras, eu por dentro ria, quá, quá, quá, que trouxa.
Acho que ele disse que era Benildo,
sei lá.
BERNINI
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Disse que eu estava “quase pronto”,
queria que eu ficasse mais seis meses a um ano, sei lá, “para conhecer todas as
chaves”. Por acaso sou porteiro?
Pulei fora, mano.
E fui fazer minhas esculturas.
Fiz umas obras de arrepiar de tão
autênticas, de tão verdadeiras. A pessoa olhava e lá estavam as veias, pareciam
pulsar, era realmente de apavorar. Se você encostava a orelha ao peito parecia
ouvir o coração, ui, era aterrador. Os cílios, nossa, que perfeição, até eu
ficava emocionado comigo mesmo.
Aí comecei a olhar fixamente as
esculturas.
Elas pareciam vivas, mesmo.
Olhei mais de perto.
Olhei os olhos, eles pediam ajuda,
fiquei com os cabelos todos em pé. Olhei as primeiras estátuas de gatos,
cachorros, cavalos – parecia que eles queriam sair lá de dentro, como se
estivessem dentro de uma prisão. Cruzes! Levei um choque: e se eles estivessem
vivos? E se com as fórmulas mágicas eu tivesse aprisionados corpos vivos dentro
das pátinas das esculturas? E se eu tivesse trazidos todos e cada um de suas
vidas? Fiquei assombrado, já não dormia, tinha pesadelos. O que o Benildo fizera
comigo? Puta merda! Onde eu fora me meter?
Meu Deus do Céu, que pecados eu
cometera?
Fui me confessar, comunguei, o que eu
não fazia há décadas. Puta merda! Que roubada! Tentei achar o Benildo, mas não
fui capaz. E lá estavam as esculturas no estúdio...
Fechei tudo e fugi do ES, vim para os
lençóis maranhenses. Nunca mais voltei, nem quero voltar.
Serra, segunda-feira, 23 de julho de
2012.
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