quarta-feira, 7 de novembro de 2018


Esculpido e Encarnado

 

Encontrei um doido na rua que se dizia mágico.

Fiquei pensando: “cada maluco que me surge”. “Quanto mais rezo, mais assombração aparece”.

Ele se dizia artista.

Ele era bom, me dispus a aprender com ele as artes da escultura, alto e baixo relevo, estatuária, tudo mesmo. Posso dizer que era bom, bom mesmo, o bicho era competente, me ensinou a mais fina arte.

O povo diz “cuspido e escarrado” quando quer dizer “esculpido e encarnado”. Pois só assim para descrever a fidelidade das obras, não só as dele como também as minhas. Tinha que seguir um ritual, falar umas palavras, eu por dentro ria, quá, quá, quá, que trouxa.

Acho que ele disse que era Benildo, sei lá.

BERNINI

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Disse que eu estava “quase pronto”, queria que eu ficasse mais seis meses a um ano, sei lá, “para conhecer todas as chaves”. Por acaso sou porteiro?

Pulei fora, mano.

E fui fazer minhas esculturas.

Fiz umas obras de arrepiar de tão autênticas, de tão verdadeiras. A pessoa olhava e lá estavam as veias, pareciam pulsar, era realmente de apavorar. Se você encostava a orelha ao peito parecia ouvir o coração, ui, era aterrador. Os cílios, nossa, que perfeição, até eu ficava emocionado comigo mesmo.

Aí comecei a olhar fixamente as esculturas.

Elas pareciam vivas, mesmo.

Olhei mais de perto.

Olhei os olhos, eles pediam ajuda, fiquei com os cabelos todos em pé. Olhei as primeiras estátuas de gatos, cachorros, cavalos – parecia que eles queriam sair lá de dentro, como se estivessem dentro de uma prisão. Cruzes! Levei um choque: e se eles estivessem vivos? E se com as fórmulas mágicas eu tivesse aprisionados corpos vivos dentro das pátinas das esculturas? E se eu tivesse trazidos todos e cada um de suas vidas? Fiquei assombrado, já não dormia, tinha pesadelos. O que o Benildo fizera comigo? Puta merda! Onde eu fora me meter?

Meu Deus do Céu, que pecados eu cometera?

Fui me confessar, comunguei, o que eu não fazia há décadas. Puta merda! Que roubada! Tentei achar o Benildo, mas não fui capaz. E lá estavam as esculturas no estúdio...

Fechei tudo e fugi do ES, vim para os lençóis maranhenses. Nunca mais voltei, nem quero voltar.

Serra, segunda-feira, 23 de julho de 2012.

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