terça-feira, 3 de janeiro de 2017


A Capa Protetora dos Grandes

 

                            No seu texto, O Livro das Idéias (Um dicionário de teorias, conceitos, crenças e pensadores que formam nossa visão de mundo), Rio de Janeiro, Campus, 2000, Chris Rohmann diz na página 367: “Embora seja lembrado principalmente como economista, Smith era formado em filosofia moral. Seu primeiro livro, Teoria dos Sentimentos Morais (1759), era um ensaio de ÉTICA, mas também expôs vários temas que ele veio a desenvolver em sua principal obra de economia, A Riqueza das Nações, inclusive a idéia de que o interesse próprio e o altruísmo não são incompatíveis”, colorido meu.

                            De fato, o dicionário tem dois lados, os dois conjuntos de pares polares opostos/complementares. Sendo assim, há egoísmo, o extremo do ego, o eu autocentrado, e há altruísmo, o extremo do alter, o outro, a descentralização do ego.

                            Então, o quarteto egoísmo, ego, outro e altruísmo, de um extremo a outro, não é absolutamente incompatível; aliás, é parte do desenho do mundo. Acontece que Adam Smith privilegiou o lado do EGO, através da “mão invisível”, um instrumento de fora que corrigiria o que desse errado, um fantasma da máquina, sua alma, que faria com que no final tudo desse certo. Devemos ver que a evolução socioeconômica é artificial, psicológica (psicanálise ou figuras; psico-síntese ou objetivos; economia ou produções; sociologia ou organizações; geo-história ou espaçotempos), uma matriz de vetores que deveria ter soma zero, mas que efetivamente não tem, há desvios que, como no super-reino natural biológico/p.2, conduzem a becos sem saída, como já aconteceu tantas vezes, para tantas civilizações, indo cada uma a esse beco por conta própria ou sendo suplantada por outras de rendimento maior.

                            Em primeiro lugar, para o Ocidente a “mão invisível” foi principalmente Jesus, e mais remotamente a conjunção greco-romana com o judaísmo. Em segundo lugar, o coletivo comporta em si as correções, via revoltas contra as pressões excessivas dos dominantes, no caso a civilização de fundo anglo-saxão e a ética cristã-protestante do trabalho. Então, aquelas soluções inesperadas proporcionadas quando o carro está para descarrilar, tal “mão invisível”, é um conjunto de procedimentos que se apóia em planos muito mais vastos do que a liberdade inserida por Smith, essa justificação prévia de tudo que os capitalistas doravante fizessem, mas autorização tão elaborada que eles não vissem que era meramente um cartaz de propaganda dos valores endógenos, FOSSEM ESSES QUAIS FOSSEM, porque, de qualquer forma, por trás estava a mão de Cristo segurando e impedindo que o Ocidente tropeçasse e caísse. A imagem que nos vêm à mente é mesmo a de um Anjo da Guarda, que fica à nossa volta evitando nossos tropeços, quando não somos insistentes demais em ir pelo caminho errado. A “mão invisível” protegendo por trás tudo haveria mesmo de dar certo, por mais bandido que fosse o sistema. Teríamos aí uma elasticidade notável, muito assombrosa mesmo, que vem sustentando tudo que o Ocidente fez de errado por séculos e séculos afora. Acontece que a mensagem de Cristo é poderosa, mas cede algumas vezes, quando há abusos.

                            Olhando por esse prisma, os acadêmicos deveriam distanciar-se para elaborar uma visão mais vasta, um cenário completo desses desvios, que foram compensados até sem que o soubéssemos, senão agora e aqui. Quando e onde, história e geografia dos ultrapassamentos, das situações em que os excessos dos capitalistas e burgueses, por exemplo, para contar apenas depois de Adam Smith, conduziram o mundo a situações de ruptura.

                            Ou seja, onde ocorreram as compensações coletivistas do personalismo introduzido por Smith? Onde o planejamento governamental repôs os descomedimentos empresariais?

                            Vitória, segunda-feira, 11 de novembro de 2002.

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