A Família de Natália
Natália tinha a estranha teoria de que
mais que “obras primas” os livros eram obras irmãs, irmãs dela, e até pai e
mãe, tios e tias. Dizia que os livros (e os autores por trás deles) a tinham
criado e que muito devia a eles. Eram seus tutores, seus companheiros, ela
gostava muito de ler, era aficionada desde criancinha em família de leitores,
todos gostavam de ler e ela embarcou na onda, neném ainda quando a mãe lia para
ela numa época em que praticamente não havia TV.
OS
LIVROS QUE POUCOS LERAM
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Com isso de gostar de ler, Natália
tinha uma família muito grande, cuidadosamente guardada em estantes primorosas
(diferentes das minhas). Ela os lia com todo cuidado, sem marcar como faço. E
como desde criança foi levada pelo pai e pela mãe aos lançamentos das primeiras
edições, nos quais pegava autógrafos e dedicatórias, acumulou primeiras edições
assinadas. As estantes eram de madeira de lei com portas de vidro, pois Natália
protegia essa família que a levava a passear por todo o mundo, inclusive
passado e futuro, no presente a outras terras, tudo emergindo das consciências
e experiências de cada um dos criadores.
Depois que ficou adulta, virou
escritora e casou-se, Natália continuou a ir aos lançamentos, ouvia as
palestras, consultava os bibliotecários sobre preservação, zelava pelos
parentes e amigos. Durante 67 anos depois dos sete ela seguiu essa rotina, fora
as da vida, filhos e marido, tarefas variadas.
Então, aos 74 anos, Natália morreu.
Morreu por assim dizer, porque Natália
mesma virou livro. A Biblioteca Central fez biografia e lançou em palestra-exposição
com várias fotos ampliadas dela, e da biblioteca dela, que filhos e netos
trataram de preservar, não apenas como memória da mãe e avó como também porque
o conjunto valia muito dinheiro, com todas aquelas primeiras edições assinadas.
Natália foi para “o céu dos livros”,
onde os bons humanos são homenageados e onde de cada um que os tratou bem há
estátua com pedestal. Natália é a terceira do segundo corredor da ala norte,
prédio N. São muitos e muitas que amaram os livros e os respeitaram, mas os
livros-pais e os livros-mães sempre levam as crianças para visitar o
museu-biblioteca, dizendo, “esta aqui é a Natália”. As crianças-livros param,
olham com os olhinhos brilhantes e exclamam: oh!
Serra, quarta-feira, 25 de julho de
2012.
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