quinta-feira, 8 de novembro de 2018


Foga-Réu

 

- Meritíssimo, o senhor poderia perguntar ao réu se ele fez porque quis ou foi induzido?

- Como assim, causídico?

- Sim, se ele já sabia desde o início o que fazer ou foi levado a isso?

- Responda.

- Fui induzido. “Tocaram fogo”.

- Que idade o senhor tem?

- Exceto os “fogos eternos” que são mantidos pelos humanos cada um de nós nasce naquele momento.

- Então o senhor não tem idade, não é velho e sábio?

- Não senhor.

- Meritíssimo, é um jovem, é a primeira vez que faz isso, nunca foi ensinado a ser fogo por ninguém, é um inocente, vejam só as senhoras e os senhores jurados! Aqui está um jovem inocente que foi “tocado”, foi disparado por outrem, não foi ele que quis. É réu primário, pelo amor de Deus.

O PROMOTOR DE JUSTIÇA

- Meritíssimo, por favor, indague ao senhor Foga se os fogos são devastadores ou são brandos.

- Queira responder, senhor Foga.

- Fora os “fogos controlados”, por exemplo, os fogos de mulher antiga nas cozinhas, todos os fogos de homem no campo são devastadores.

- O senhor quer dizer que são violentos?

- Fora aqueles para os quais foram construídos aceiros e barragens de contenção, são.

- É certo dizer, senhor Foga, que os fogos “comem”, como se entende pela frase “o fogo comeu”?

O advogado de defesa se intromete.

- Protesto, meritíssimo, o promotor está querendo induzir o réu.

- Protesto negado, é apenas questão de saber se os fogos são intensos.

- Sim, senhor, comem, é o nosso alimento.

- E pode-se dizer que os fogos sejam destruidores?

- Sim, senhor.

- Vejam, senhoras e senhores jurados, é o próprio réu que diz isso, não sou eu, todo mundo sabe que os fogos são destrutivos, violentos, não podem ser contidos, não podem ser parados uma vez deflagrados.

O ADVOGADO DE DEFESA.

- Meritíssimo, gostaria de ressaltar o que disse o nobre defensor do estado: “deflagrado”, detonado, explodido. O senhor poderia perguntar a ele se fez por vontade própria ou se foi induzido?

- O réu queira responder.

- Fui induzido, é isso que significa “tocar fogo”, nascemos porque alguém nos inventou.

- Vejam senhoras e senhores jurados, há uma cabeça mandante. Além de ser réu primário, jovem inocente, foi induzido, não foi por vontade própria, ALGUÉM O EMPURROU PARA O CRIME e foi um ser humano, pois sabemos que foi. Se tivesse sido um raio, igualmente teria sido inocente, pois uma força não-humana o teria levado ao crime. Veja, meritíssimo, é jovem de boa família, aliás, família que durante gerações e gerações vem ajudando a humanidade sem esperar qualquer recompensa. O júri tem de levar em conta essa tríplice realidade: 1) é réu primário; 2) há uma cabeça mandante que o induziu; 3) uma vez começado, é da natureza do fogo prosseguir. Mas quem, pergunto, começou? Foi ele mesmo? De própria vontade o senhor Foga aqui presente se propôs destruir algo ou foi mera conseqüência alheia a sua vontade?

Nisso o juiz iniciou a votação com os sete votos válidos e os votos-descarte e o réu foi inocentado por 6 x 1, porque mandante foi a humanidade.

Serra, segunda-feira, 23 de julho de 2012.

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