Foga-Réu
- Meritíssimo, o senhor poderia
perguntar ao réu se ele fez porque quis ou foi induzido?
- Como assim, causídico?
- Sim, se ele já sabia desde o início
o que fazer ou foi levado a isso?
- Responda.
- Fui induzido. “Tocaram fogo”.
- Que idade o senhor tem?
- Exceto os “fogos eternos” que são
mantidos pelos humanos cada um de nós nasce naquele momento.
- Então o senhor não tem idade, não é
velho e sábio?
- Não senhor.
- Meritíssimo, é um jovem, é a
primeira vez que faz isso, nunca foi ensinado a ser fogo por ninguém, é um
inocente, vejam só as senhoras e os senhores jurados! Aqui está um jovem
inocente que foi “tocado”, foi disparado por outrem, não foi ele que quis. É
réu primário, pelo amor de Deus.
O PROMOTOR DE JUSTIÇA
- Meritíssimo, por favor, indague ao senhor
Foga se os fogos são devastadores ou são brandos.
- Queira responder, senhor Foga.
- Fora os “fogos controlados”, por
exemplo, os fogos de mulher antiga nas cozinhas, todos os fogos de homem no
campo são devastadores.
- O senhor quer dizer que são
violentos?
- Fora aqueles para os quais foram
construídos aceiros e barragens de contenção, são.
- É certo dizer, senhor Foga, que os
fogos “comem”, como se entende pela frase “o fogo comeu”?
O advogado de defesa se intromete.
- Protesto, meritíssimo, o promotor
está querendo induzir o réu.
- Protesto negado, é apenas questão de
saber se os fogos são intensos.
- Sim, senhor, comem, é o nosso
alimento.
- E pode-se dizer que os fogos sejam
destruidores?
- Sim, senhor.
- Vejam, senhoras e senhores jurados,
é o próprio réu que diz isso, não sou eu, todo mundo sabe que os fogos são
destrutivos, violentos, não podem ser contidos, não podem ser parados uma vez
deflagrados.
O ADVOGADO DE DEFESA.
- Meritíssimo, gostaria de ressaltar o
que disse o nobre defensor do estado: “deflagrado”, detonado, explodido. O
senhor poderia perguntar a ele se fez por vontade própria ou se foi induzido?
- O réu queira responder.
- Fui induzido, é isso que significa
“tocar fogo”, nascemos porque alguém nos inventou.
- Vejam senhoras e senhores jurados,
há uma cabeça mandante. Além de ser réu primário, jovem inocente, foi induzido,
não foi por vontade própria, ALGUÉM O EMPURROU PARA O CRIME e foi um ser
humano, pois sabemos que foi. Se tivesse sido um raio, igualmente teria sido inocente,
pois uma força não-humana o teria levado ao crime. Veja, meritíssimo, é jovem
de boa família, aliás, família que durante gerações e gerações vem ajudando a
humanidade sem esperar qualquer recompensa. O júri tem de levar em conta essa
tríplice realidade: 1) é réu primário; 2) há uma cabeça mandante que o induziu;
3) uma vez começado, é da natureza do fogo prosseguir. Mas quem, pergunto,
começou? Foi ele mesmo? De própria vontade o senhor Foga aqui presente se
propôs destruir algo ou foi mera conseqüência alheia a sua vontade?
Nisso o juiz iniciou a votação com os
sete votos válidos e os votos-descarte e o réu foi inocentado por 6 x 1, porque
mandante foi a humanidade.
Serra, segunda-feira, 23 de julho de
2012.
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