domingo, 13 de agosto de 2017


A Inocência Aprisionada

 

                            Estando no Conselho de Sentença do Tribunal do Júri do Tribunal de Justiça do ES em Vitória participei do julgamento de um certo R por um crime que aconteceu em 1996, quando tinha 19 anos (estando em 2004 com 27 anos). Fugiu, foi achado, ficou três dias (contra a lei) incomunicável no Quartel da Polícia Militar, provavelmente apanhando.

                            Em tese teria matado Nego Deo com quatro tiros, mas a arma, um 38, não foi achada. A vítima tinha se envolvido com tráfico de drogas, era estuprador e fazia já jovem, na ocasião com 22 anos, todo tipo de estripulia, tendo sido perseguido dias antes por dois policiais que nele atiraram, matando um garoto e atingindo-o no braço. Seu corpo foi achado no último píer de Camburi com uma perna amarrada numa pedra num 12 de outubro, em meio ao Vital, carnaval fora de época de Vitória. Poderia o presumido assassino, R, tê-lo amarrado antes de atirar, com sua anuência, talvez? Ou teria amarrado o corpo DEPOIS DE MORTO? Não faz sentido. O mais provável é que os policiais o tenham pegado bêbado estuprando alguém e o tenham assassinado por volta das doze horas, a perícia tenho chegado às quatorze. Sugeriram ter sido ele amarrado pela perícia para as ondas não o levarem, mas isso é improvável, pois as fotos mostravam o sangue na areia (se as ondas tivessem batido a água teria apagado as marcas).

                            R confessou, e mesmo sendo negada pelo júri sua culpa foi condenado a seis anos, porque houve acordo da juíza, do promotor e do advogado de defesa no sentido de pular as duas perguntas iniciais da quesitação (o conjunto dos quesitos; a palavra não existe no Houaiss), o que induziu a falsa unanimidade do júri.

                            Disse ter atirado em ND (as fotos mostravam os quatro disparos no lado esquerdo do rosto). Como o promotor afirmou (e o advogado de defesa não aproveitou), a marca de pólvora no rosto indicava que foram tiros dados de perto, enquanto R dizia que tinha brigado e tinha atirado de longe. Se assim fosse o primeiro impacto teria empurrado a cabeça e os outros três tiros não teriam acertado. Não, ele estava deitado no chão, com a cabeça na areia, porisso os quatro tiros puderam ser alinhados e houve somente algum respingo nas pedras próximas, enquanto se estivesse de pé teria respingado em toda parte, em leque, pois foi atingido no pescoço. E não foi assassinato por encomenda, como afirmaram, porque os matadores profissionais, em razão da lógica, atiram primeiro no corpo para garantir a imobilização e na cabeça para garantir a morte.

                            Claro, não foi R, foram os policiais, depois acobertados, dado que R só foi preso três meses depois, jovem e inexperiente, sem a presença de advogado. Não houve perícia técnica apurada com ângulos de incidência, essas colocações que estou fazendo ou qualquer aporte para o julgamento correto e preciso. Não foi procurado nem muito menos achado o vendedor de picolé que R dizia ter estado presente (da verdadeira briga que teve com ND; ou que foi acrescentado como detalhe para convencimento), não foi feito trabalho competente, nem neste nem em outros crimes. Terá sido R? Sei lá, só Deus para dizer, mas as indicações são frágeis e do que se pôde saber os apontamentos são outros.

São frágeis igualmente os demais julgamentos. A polícia brasileira (ou, pelo menos, a do Espírito Santo) não é minuciosa, talvez por não dispor de instrumentos, máquinas, aparelhos e conhecimento técnicos e orientação científica.

                            Em todo caso, talvez um inocente tenha sido condenado.

                            Vitória, domingo, 12 de dezembro de 2004.

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