Um Povo Alegre
Nosso
amigo PACOS (Pedro Augusto César Oliveira de Sá), engenheiro, mestre, doutor,
apreciador de música, sobrinho de João Gilberto disse que o brasileiro é um
povo alegre. Como respeito à beça seus pronunciamentos, investiguei lá em sua casa
o assunto e ajunto algo agoraqui.
No
Livro 3 o artigo Bossa Nova fala justamente de como, provavelmente, João
Gilberto e seus companheiros contribuíram para que não houvesse no Brasil (e
retardaram no mundo) conflitos civis sangrentos, vertendo a música das elites e
a do povo uma na outra, aproximando-as do centro nisso que ficou sendo a
Música Popular Brasileira, MPB de várias vertentes, a herdeira mestiça da BN.
Como
é que o povo brasileiro seria alegre, com tudo de ruim que as elites daqui
fazem? Que fenômeno seria esse?
Bom,
em primeiro lugar, treinados que foram para a fusão pelos árabes (eles mesmos
vindo de uma longa mestiçagem com os africanos) os celtiberos da Península
Ibérica não recusaram no Brasil a fusão das raças, como fizeram os povos
anglo-saxões no Norte, EUA e Canadá. Os espanhóis também não o fizeram, porque
a penetração árabe no continente foi até bem lá para cima, restando Castela e
Aragão e poucos reinos, o que seria Portugal todo tomado. A Espanha só se
livrou justamente em 1492, ano da descoberta da América.
Essa
fusão com índios trouxe os valores libertários deles para a cultura ou nação ou
civilização ou sociedade brasileira. Depois, veio o molejo e todos os valores
africanos. As línguas dos três continentes se fundiram. O português, última
flor do Lácio (ou seja, descendente do latim) já era composição das línguas dos
primitivos habitantes, dos invasores celtas-ibéricos e dos romanos. Quando se
juntou às línguas indígenas e africanas incorporou o modo de ser desses povos.
Mais recentemente vieram os valores orientais, através dos japoneses, há 150
anos, e outros povos, mais recentemente, com uma outra leva européia de mesma
idade.
De
forma que os europeus tiveram amaciada sua dureza de trabalhadores insistentes
nisso que ficou sendo o “baianês”, a língua macia e mole dos baianos, aquela
venerada lerdeza. O resultado foi uma visão ou percepção de mundo muito menos
birrenta e ranzinza que a dos nortistas supertrabalhadores, superapegados ao
trabalho.
Ainda
agora venho de ver e ouvir no TV da padaria uma entrevista de Marcos Frota a
Sérgio Groissman dizendo que o circo brasileiro se distingue dos demais porque
os outros são apresentações, distantes cenários ou telas para públicos
contidos, até impassíveis, ao passo que o brasileiro é particip/ativo, conta
com a platéia, que se junta ao espetáculo.
Então,
calhou que o povo brasileiro se tornou, apesar de tudo que tem sofrido nas mãos
das elites, um povo despreocupado e feliz. Para isso certamente contribuíram
haverem até três colheitas por ano em certos lugares, muita luz do Sol, grandes
praias, amplos espaços, grandes cenários. Muitas são as razões, não vou
buscá-las todas, outros o façam.
Entretanto,
a brandura do domínio português, com tudo que tenha tido de canalha, ainda
proporcionou, sob novo Sol, novidades ao mundo. Com toda certeza esse modo de
ser, uma vez consolidado, irá fertilizar o planeta via globalização. O problema
todo é que gasta essa última riqueza liberatória já nada restará para o futuro.
O mundo não terá de onde sacar novas potências rejubilantes depois. O Brasil
será o último trunfo.
Vitória,
sábado, 14 de dezembro de 2002.
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