segunda-feira, 16 de janeiro de 2017


Um Povo Alegre

 

                            Nosso amigo PACOS (Pedro Augusto César Oliveira de Sá), engenheiro, mestre, doutor, apreciador de música, sobrinho de João Gilberto disse que o brasileiro é um povo alegre. Como respeito à beça seus pronunciamentos, investiguei lá em sua casa o assunto e ajunto algo agoraqui.

                            No Livro 3 o artigo Bossa Nova fala justamente de como, provavelmente, João Gilberto e seus companheiros contribuíram para que não houvesse no Brasil (e retardaram no mundo) conflitos civis sangrentos, vertendo a música das elites e a do povo uma na outra, aproximando-as do centro nisso que ficou sendo a Música Popular Brasileira, MPB de várias vertentes, a herdeira mestiça da BN.

                            Como é que o povo brasileiro seria alegre, com tudo de ruim que as elites daqui fazem? Que fenômeno seria esse?

                            Bom, em primeiro lugar, treinados que foram para a fusão pelos árabes (eles mesmos vindo de uma longa mestiçagem com os africanos) os celtiberos da Península Ibérica não recusaram no Brasil a fusão das raças, como fizeram os povos anglo-saxões no Norte, EUA e Canadá. Os espanhóis também não o fizeram, porque a penetração árabe no continente foi até bem lá para cima, restando Castela e Aragão e poucos reinos, o que seria Portugal todo tomado. A Espanha só se livrou justamente em 1492, ano da descoberta da América.

                            Essa fusão com índios trouxe os valores libertários deles para a cultura ou nação ou civilização ou sociedade brasileira. Depois, veio o molejo e todos os valores africanos. As línguas dos três continentes se fundiram. O português, última flor do Lácio (ou seja, descendente do latim) já era composição das línguas dos primitivos habitantes, dos invasores celtas-ibéricos e dos romanos. Quando se juntou às línguas indígenas e africanas incorporou o modo de ser desses povos. Mais recentemente vieram os valores orientais, através dos japoneses, há 150 anos, e outros povos, mais recentemente, com uma outra leva européia de mesma idade.

                            De forma que os europeus tiveram amaciada sua dureza de trabalhadores insistentes nisso que ficou sendo o “baianês”, a língua macia e mole dos baianos, aquela venerada lerdeza. O resultado foi uma visão ou percepção de mundo muito menos birrenta e ranzinza que a dos nortistas supertrabalhadores, superapegados ao trabalho.

                            Ainda agora venho de ver e ouvir no TV da padaria uma entrevista de Marcos Frota a Sérgio Groissman dizendo que o circo brasileiro se distingue dos demais porque os outros são apresentações, distantes cenários ou telas para públicos contidos, até impassíveis, ao passo que o brasileiro é particip/ativo, conta com a platéia, que se junta ao espetáculo.

                            Então, calhou que o povo brasileiro se tornou, apesar de tudo que tem sofrido nas mãos das elites, um povo despreocupado e feliz. Para isso certamente contribuíram haverem até três colheitas por ano em certos lugares, muita luz do Sol, grandes praias, amplos espaços, grandes cenários. Muitas são as razões, não vou buscá-las todas, outros o façam.

                            Entretanto, a brandura do domínio português, com tudo que tenha tido de canalha, ainda proporcionou, sob novo Sol, novidades ao mundo. Com toda certeza esse modo de ser, uma vez consolidado, irá fertilizar o planeta via globalização. O problema todo é que gasta essa última riqueza liberatória já nada restará para o futuro. O mundo não terá de onde sacar novas potências rejubilantes depois. O Brasil será o último trunfo.

                            Vitória, sábado, 14 de dezembro de 2002.

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