Pensar
por Si
No
livro deles, Dicionário de Filosofia (Campinas, Papirus, 1993), Gerard
Durozoi e André Roussel, dizem à página 19: “À imagem de Sócrates, Alain
pretende mostrar ao leitor que é possível pensar
por si mesmo e que filosofar ‘dá maneira correta’ é sempre fazê-lo
‘para sua própria salvação’”, colorido meu. Alain é Émile Auguste Chartier, filósofo
francês, 1868-1951, 83 anos entre datas.
Evidente
que é possível pensar por si mesmo, todos fazem isso. Ser humano é pensar, e
pensar é sempre atividade solitária, mesmo quando há professor vivo ou morto
sendo lido. O pensar É SEMPRE por si mesmo e para sim mesmo, ainda que neste
caso pareça ser para os outros, porque o prazer de ser para os outros é para
si. Não existe pensar alheio. Até quando a pessoa lê o que outros pensaram e
segue “cegamente” aquele outro pensar, está pensando, está pensando em seguir,
em evitar o aprofundamento e o questionamento. O inconsciente não é
não-pensamento, é pensamento subterrâneo, do qual não temos consciência, que
não aparece em vigília, linha de percepção.
E
o pensar e o agir são, SEMPRE, para a própria salvação, do indivíduo antes de
tudo, depois de sua família, seu grupo, sua empresa, essas pessoas; e os
ambientes mais próximos: município/cidade, estados, nações e mundo. Porque, sem
dúvida nenhuma, o indivíduo é o centro de si. Até quando perde sua vida para
salvar um filho o indivíduo tem como centro sua decisão de valorizar a
sobrevivência de seu rebento. Todo gesto altruísta tem como centro o centro que
é a identificação do indivíduo.
Portanto,
se segue que pensar é sempre pensar
por si mesmo e pensar para si mesmo. Agora, o que estamos em geral dizendo com
isso, pretendendo uma separação? É que alguns renunciam a APROFUNDAR AS RAZÕES,
jamais vão tão a fundo quanto poderiam. É isso que é interessante, por muitas
razões: de emprego, de tempo livro, de classe de riqueza, de linha de vida, de
autocentralização excessiva, etc.
Então,
cabe pensar POR QUÊ uns renunciam a pensar profundo?
Em
primeiro lugar o mundo é grande demais (em tempo e espaço) e para quase tudo
que se queira pensar já houve alguém que trilhou aquele caminho. Em segundo
lugar, há o orgulho dos dominantes daquele setor especial da
produçãorganização, ou seja, os donos do tempolugar, e seus discípulos, ciosos,
ciumentos de sua propriedade do conhecimento e do desconhecimento humanos. Em
terceiro lugar, há a falta de tempo e interesse: a vida é curta demais para nos
dedicarmos com afinco a refinamentos. Oito horas dormindo, duas cuidando das necessidades
fisiológicas (comer, beber, comprar, cozinhar, defecar, urinar, escovar dentes,
etc.) , oito horas de trabalho, duas
horas no mínimo de viagens, atendimento da esposa (ou marido) e filhos, os
amigos, uma série de ofertas das tecnartes. Em quarto lugar, para quem quiser
começar tal aprofundamento, não há oferta de um caminho tranqüilo, metódico,
seqüencial, uma ÁRVORE DA PERCEPÇÃO totalmente estabelecida (o que o modelo
pode proporcionar, doravante). Em quinto lugar, quais são as utilidades REAIS,
DECISIVAS, FINANCEIRAS de tal conhecimento? Como há tantas exigências de escola
para os filhos, brilhos para a esposa (ou marido), alimentação, ostentação,
viagens, quanto tempo sobra para a busca?
E
assim por diante.
A
questão não é que as pessoas não pensem por si mesmas, é que elas não podem
aprofundar o pensamento, não podem, por não quererem, esmiuçar os objetos e os
sujeitos do mundo, o Dicionário e a Enciclopédia, PORQUE é uma carga tremenda
de pensamento em todo o Conhecimento (alto: Magia, Teologia, Filosofia e
Ciência; baixo: Arte, Religião, Ideologia e Técnica; e Matemática) e em todas
as 6,5 mil profissões. Enfim, o ser humano, o indivíduo, é pequenino para tanta
coisa. É um instrumento maravilhoso, polivalente, extraordinário no mais profundo
sentido, mas insuficiente para tão variados propósitos. Simplesmente é querer
demais.
Pensar
por si, todos pensam. Esquisito é os filósofos não aprofundarem o pensamento a
ponto de não perceberem que estão querendo dizer com o povo não pensar por si:
que o pensamento é uma exclusividade daqueles poucos santos e sábios que têm
disponibilidade de tempo e espaço para fazê-lo. É eles não respeitarem a
divisão social do trabalho. É não se contentarem em fazer a sua parte em
silêncio, sem torturarem os demais.
Isso,
sim, é que é estranho, denúncia de psico e sociopatia.
Vitória,
segunda-feira, 28 de outubro de 2002.
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