terça-feira, 3 de janeiro de 2017


Pensar por Si

 

                            No livro deles, Dicionário de Filosofia (Campinas, Papirus, 1993), Gerard Durozoi e André Roussel, dizem à página 19: “À imagem de Sócrates, Alain pretende mostrar ao leitor que é possível pensar por si mesmo e que filosofar ‘dá maneira correta’ é sempre fazê-lo ‘para sua própria salvação’”, colorido meu. Alain é Émile Auguste Chartier, filósofo francês, 1868-1951, 83 anos entre datas.

                            Evidente que é possível pensar por si mesmo, todos fazem isso. Ser humano é pensar, e pensar é sempre atividade solitária, mesmo quando há professor vivo ou morto sendo lido. O pensar É SEMPRE por si mesmo e para sim mesmo, ainda que neste caso pareça ser para os outros, porque o prazer de ser para os outros é para si. Não existe pensar alheio. Até quando a pessoa lê o que outros pensaram e segue “cegamente” aquele outro pensar, está pensando, está pensando em seguir, em evitar o aprofundamento e o questionamento. O inconsciente não é não-pensamento, é pensamento subterrâneo, do qual não temos consciência, que não aparece em vigília, linha de percepção.

                            E o pensar e o agir são, SEMPRE, para a própria salvação, do indivíduo antes de tudo, depois de sua família, seu grupo, sua empresa, essas pessoas; e os ambientes mais próximos: município/cidade, estados, nações e mundo. Porque, sem dúvida nenhuma, o indivíduo é o centro de si. Até quando perde sua vida para salvar um filho o indivíduo tem como centro sua decisão de valorizar a sobrevivência de seu rebento. Todo gesto altruísta tem como centro o centro que é a identificação do indivíduo.

                            Portanto, se segue     que pensar é sempre pensar por si mesmo e pensar para si mesmo. Agora, o que estamos em geral dizendo com isso, pretendendo uma separação? É que alguns renunciam a APROFUNDAR AS RAZÕES, jamais vão tão a fundo quanto poderiam. É isso que é interessante, por muitas razões: de emprego, de tempo livro, de classe de riqueza, de linha de vida, de autocentralização excessiva, etc.

                            Então, cabe pensar POR QUÊ uns renunciam a pensar profundo?

                            Em primeiro lugar o mundo é grande demais (em tempo e espaço) e para quase tudo que se queira pensar já houve alguém que trilhou aquele caminho. Em segundo lugar, há o orgulho dos dominantes daquele setor especial da produçãorganização, ou seja, os donos do tempolugar, e seus discípulos, ciosos, ciumentos de sua propriedade do conhecimento e do desconhecimento humanos. Em terceiro lugar, há a falta de tempo e interesse: a vida é curta demais para nos dedicarmos com afinco a refinamentos. Oito horas dormindo, duas cuidando das necessidades fisiológicas (comer, beber, comprar, cozinhar, defecar, urinar, escovar dentes, etc.)   , oito horas de trabalho, duas horas no mínimo de viagens, atendimento da esposa (ou marido) e filhos, os amigos, uma série de ofertas das tecnartes. Em quarto lugar, para quem quiser começar tal aprofundamento, não há oferta de um caminho tranqüilo, metódico, seqüencial, uma ÁRVORE DA PERCEPÇÃO totalmente estabelecida (o que o modelo pode proporcionar, doravante). Em quinto lugar, quais são as utilidades REAIS, DECISIVAS, FINANCEIRAS de tal conhecimento? Como há tantas exigências de escola para os filhos, brilhos para a esposa (ou marido), alimentação, ostentação, viagens, quanto tempo sobra para a busca?

                            E assim por diante.

                            A questão não é que as pessoas não pensem por si mesmas, é que elas não podem aprofundar o pensamento, não podem, por não quererem, esmiuçar os objetos e os sujeitos do mundo, o Dicionário e a Enciclopédia, PORQUE é uma carga tremenda de pensamento em todo o Conhecimento (alto: Magia, Teologia, Filosofia e Ciência; baixo: Arte, Religião, Ideologia e Técnica; e Matemática) e em todas as 6,5 mil profissões. Enfim, o ser humano, o indivíduo, é pequenino para tanta coisa. É um instrumento maravilhoso, polivalente, extraordinário no mais profundo sentido, mas insuficiente para tão variados propósitos. Simplesmente é querer demais.

                            Pensar por si, todos pensam. Esquisito é os filósofos não aprofundarem o pensamento a ponto de não perceberem que estão querendo dizer com o povo não pensar por si: que o pensamento é uma exclusividade daqueles poucos santos e sábios que têm disponibilidade de tempo e espaço para fazê-lo. É eles não respeitarem a divisão social do trabalho. É não se contentarem em fazer a sua parte em silêncio, sem torturarem os demais.

                            Isso, sim, é que é estranho, denúncia de psico e sociopatia.

                            Vitória, segunda-feira, 28 de outubro de 2002.

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