Interpretando Marx
No
livro Dialética (Teoria Práxis),
Porto Alegre, Globo, São Paulo, USP, 1983, de Gerd A. Borheim, p. 213 e 214, há
várias passagens, que comentarei agoraqui.
1) “De resto, há textos de Marx bastante
claros nesse sentido. Não só porque ele mesmo reconhecia ser partícipe de uma
tradição, mas também porque o próprio Marx sugere a dependência essencial do objeto em relação ao sujeito”,
todos os coloridos meus. Se isso se dá é porque estamos além do nível
Físico/Químico, para além também do Biológico/p.2, já adiantados no nível
Psicológico/p.3 (indivíduos, famílias, grupos, empresas, municípios/cidades,
estados, nações e mundo, na fase de planetarização, enquanto na época de Marx
estavam ainda nas convulsões nacionalizantes). É porisso, estamos na oitava
sub-fase do nível Psicológico/p.3. Os animais estão muito mais ligados aos
objetos e dependentes deles que nós.
E os objetos, naturalmente, são inteiramente dependentes uns dos outros, não têm nenhuma liberdade intrínseca. O Objeto geral não depende de nós, propriamente, porque o que poderia um ser humano em relação à vastidão do universo? Pouco podemos e mesmo assim apenas na Terra, à nossa volta. Tomando a humanidade inteira, aí sim, há alguma dependência, mas não demais, também. Nem há dependência essencial do objeto em relação a nós, nem nossa em relação ao objeto.
E os objetos, naturalmente, são inteiramente dependentes uns dos outros, não têm nenhuma liberdade intrínseca. O Objeto geral não depende de nós, propriamente, porque o que poderia um ser humano em relação à vastidão do universo? Pouco podemos e mesmo assim apenas na Terra, à nossa volta. Tomando a humanidade inteira, aí sim, há alguma dependência, mas não demais, também. Nem há dependência essencial do objeto em relação a nós, nem nossa em relação ao objeto.
2) “Assim, quando faz uma observação à
margem do texto dos manuscritos de 1844: ‘Só posso comportar-me praticamente,
de modo humano, em relação à coisa, se a coisa se comportar humanamente em relação ao homem’”. Eu, sem
ter lido este trecho senão hoje, vinha pensando que todos os objetos que
produzimos foram humanizados, foram distintamente produzidos para serem humanos
também, pois embora objetos são racionais, ainda que coisas. Ou seja, nós
humanizamos o mundo em zilhões de objetos produzidorganizados.
3) “O objeto deve comportar-se humanamente ao que o
homem pensa e sente, ao que ele faz; o humano só é humano pelo objeto,
mas no processo de humanização ele humaniza o próprio objeto, e nesse sentido o objeto passa a
encontrar no homem a sua medida”. Houve, é claro, humanização da
cafeteira, que era matéria e energia brutas, não humanizadas, e tornaram-se num
degrau superior coisa racionalizada, quer dizer, FORAM MEDIDAS, metrizadas,
metrificadas pelo ser humano, padronizadas. Mas o ser humano também encontra no
objeto a sua medida – não há, OBJETIVAMENTE falando, nada que esteja além dos
objetos produzidos, porque não podemos dar provas aos outros senão pela
produçãorganização dos objetos, inclusive da fala. É claro que, dentro de nós
sabemos que há coisas que não foram objetivadas, são subjetivas, só nossas, delas
não podendo nenhum de nós dar qualquer prova. Existencialistamente falando só
temos como provar os objetos; roupas, paralelepípedos, pentes, disquetes –
todas essas coisas nos medem, nos dimensionalizam enquanto humanidade.
4) “Como elucidar, porém, a medida
subjetiva do objeto? ‘Pensar e ser são em verdade distintos, mas ao mesmo tempo
estão em unidade
recíproca’, diz o citado texto de Marx”. Veja a importância
fundamentalizante de uma passagem assim. Observe que não é só unidade do par
polar oposto/complementar, mas que essa unidade é RECÍPROCA, um lado depende do
outro para existir. Então, sujeito e objeto estão em UNIDADE RECÍPROCA, um
fecunda o outro, sendo inseparáveis. Ora, quando deixar de existir o objeto é
porque deixou de existir o sujeito, ou, dizendo de outra forma, os arqueólogos
encontrarem os objetos é como encontrarem os sujeitos que os produziram e
organizaram. De outro lado, não achando objetos alienígenas equivale a dizer
que não há alienígenas (pelo menos até que os objetos apareçam; daí que os
buscadores de UFO’s ou OVNI’s deveriam caçar objetos, pois apresentá-los seria
o equivalente a apresentar os sujeitos. Não é necessário mostrar os marcianos,
só os objetos feitos por eles).
5) “O que funda essa unidade: o ser ou o
pensar? De certo modo, nem um nem outro; em Marx já não existe a pureza da
etapa final da metafísica, quando o ser se resolvia simplesmente (...): ‘O homem se apropria de sua
essência plurifacetada de modo plurifacetado, como homem total’”.
Havendo divisões entre homens e mulheres, entre ricos e pobres, entre raças,
entre velhos e moços, entre fazeres, QUAISQUER DIVISÕES, se segue que NÃO HÁ
SER HUMANO TOTAL, e daí que o ser humano não é plurifacetado, ele não se
apropriou de sua essência ou substância inteira, toda. É parcial, não é
integral, não atingiu o cume, o ápice de sua dignidade.
6) “Assim é todo o comportamento humano
que entra em cena. Contudo, há um privilégio do sensível; pois como já vimos em
análises anteriores, pelo
sensível, pelo corpo, o homem se faz mundo; pelo objeto sensível estabelece-se
a conaturalidade entre homem e mundo, visto que o sensível é objetivo. E então parece que se poderia
dizer que o sujeito encontra a sua medida no objeto”. Não apenas pelo
corpo, pela mente também. Mas veja o que é fundamental: não se esqueça, logo
ali de trás, que há a UNIDADE RECÍPROCA, essa CO-NATURALIDADE de que ele fala
agora, entre humanos e seus objetos, entre homens e mulheres, entre filhos e
filhas e pais e mães, entre todos que parecem estar somente opostos e são
também complementares, entre os que se dizem inimigos, por exemplo. E veja
também que grandeza: de dizer que os objetos que nos cercam SÃO TAMBÉM
SENSÍVEIS e de mesma sensibilidade que nós comportamos. O tapete é conatural
conosco, ele é sensível também, ele é CÚMPLICE de nossa humanidade. A favela
nos denuncia de nossa baixa humanidade. Porisso ao descobrir objetos de um
naufrágio, somos remetidos à conaturalidade daqueles viventes, em seu espaço
tempo conatural. Naqueles objetos de uma casa que ficou soterrada sob neve dois
milênios encontramos a medida da sensibilidade daqueles seres. Por aí se vê a
emoção que toma os arqueólogos quando descobrem os objetos, pois estão tocando
as almas que ali estiveram. E o mesmo se dá com as palavras que lemos de cinco
mil anos passados ou de duas semanas atrás.
Você bem
pode imaginar com que emoção sempre renovada leio Marx, pelo tanto que emana ou
sai dele, embora eu discorde numerosas vezes, como mostrei. Um pouco menos com
Lênin, porque ele é voltado quase exclusivamente para a socioeconomia, enquanto
Marx visita grandes praias filosóficas e ideológicas.
Altamiro me
vendeu as obras completas de Lênin (que ainda não li), mas eu gostaria mesmo é
de poder ler Marx (roubaram dois dos seis volumes de O Capital, de forma que estou impedido de ler as partes que
sobraram), especialmente no original, que estou longe de conhecer minimamente.
Mas mesmo em português seria ótimo, porque as idéias de fundo estão lá. Quem
disse que Marx está morto e enterrado é um idiota completo, que não respeita o
pensamento se ele não tiver uma cor vizinha da sua.
Assim, pense
em quantas coisas estão enterradas nessa imensa cidade que é Marx, à espera de
competentes visitantes, profissionais ou não, das investigações do saber.
Vitória,
quarta-feira, 11 de dezembro de 2002.
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