quinta-feira, 5 de janeiro de 2017


Insignificante Película

 

                            Em seu livro, Preparando para o Século XXI, Rio de Janeiro, Campus, 1993, Paul Kennedy diz, p. 19: “A superfície da Terra, ao contrário dos planetas vizinhos, é coberta por uma película de matéria chamada vida. A película em si ‘é extremamente delgada, tão delgada que seu peso dificilmente pode ser superior a um bilionésimo do peso do planeta que a sustenta... [Ela é] tão insignificante que seres de outros planetas só a detectariam com grande dificuldade, e certamente seria imperceptível a outros observadores na nossa galáxia...’” ele está citando C. M. Cipolla, Economic History World Population, Harmondsworth Middsx., ed. 1978, citando H. Brown, The Challenge of Man’s Future (Nova York, 1954), p.2, de modo que o erro passou de 1954 a 1978 a 1993.    Colorido e grilo meus. Eu cito a Kennedy, este a Cipolla, que cita Brown.

                            Parece que eles partilham aquilo que denominei “racionalismo amebiano”, o excesso de raciocínio das amebas.

                            Acontece que a Terra nasceu há 4,6 bilhões de anos, ao passo que a Vida geral veio logo depois, há 3,8 bilhões de anos. Menos de 800 milhões de anos depois, logo que a Terra deu uma esfriadinha, lá estava a Vida grudada – e não soltou mais, por mais que tenha sofrido tragédias. Depois, lembre-se que a atmosfera era venenosa, irrespirável, intragável, e foi TOTALMENTE transformada, de modo que, como Sagan notou, não é preciso vir aqui, é só descobrir traços de oxigênio.

                            Como a Terra tem 5,98. 1024 kg, ou seja (havendo mil quilogramas numa tonelada), cerca de 6.1021 ton – tomemos como 1022 ton. Um ser humano pesa, digamos na média, uns 60 kg, de maneira que uns 17 de nós caberiam numa tonelada. Os 6 bilhões de nós em 360 milhões de toneladas, 4.108 ton. Se imaginarmos que precisamos de mil toneladas de vida para sustentar cada um de nós, o total da Vida na Terra seria de cerca de 4.1011, digamos 1012 ton. Dividindo os dois valores, 1022/1012 = 1010 = 10.000.000.000, e não um bilionésimo, um décimo bilionésimo ou menos.

                            Acontece que essa “insignificante película” não pode ser medida pela quantidade de matéria e de energia que a compõe, e sim pelo extraordinário, avançadíssimo processamento que faz, em termos de avanços nas pirâmides, como mostrei no modelo. Essa película, que nada tem de insignificante, avançou a ponto de comprometer a camada de ozônio e de poder ter destruído a Vida inteira milhares de vezes com as ogivas nucleares.

                           Fez “coisas do arco da velha”, como diz o povo, no caso humano em apenas 10 mil anos de civilização. É como aqueles que queriam medir o valor do indivíduo humano pelo peso de seus componentes moleculares, e pela dificuldade de obter carbono, oxigênio, hidrogênio e outros componentes na farmácia da esquina. Não se trata de estarem distantes de Deus, estão mesmo incapacitados a compreender o magnífico projeto que é a Vida, e o quanto ele avançou com tal “insignificante película”.

                            Insignificantes, diria eu, são essas pessoas. Mas não quero dizer, porque para algo foram úteis.

                            Vitória, terça-feira, 05 de novembro de 2002.

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