Insignificante Película
Em
seu livro, Preparando para o Século XXI, Rio de Janeiro, Campus, 1993,
Paul Kennedy diz, p. 19: “A superfície da Terra, ao contrário dos planetas
vizinhos, é coberta por uma película de matéria chamada vida. A película em si
‘é extremamente delgada, tão delgada que seu peso
dificilmente pode ser superior a um bilionésimo do peso do planeta que a
sustenta... [Ela é] tão insignificante
que seres de outros planetas só a detectariam com grande dificuldade, e
certamente seria imperceptível a outros observadores na nossa galáxia...’”
ele está citando C. M. Cipolla, Economic History World Population,
Harmondsworth Middsx., ed. 1978, citando H. Brown, The Challenge of Man’s
Future (Nova York, 1954), p.2, de modo que o erro passou de 1954 a 1978 a
1993. Colorido e grilo meus. Eu cito a
Kennedy, este a Cipolla, que cita Brown.
Parece
que eles partilham aquilo que denominei “racionalismo amebiano”, o excesso de
raciocínio das amebas.
Acontece
que a Terra nasceu há 4,6 bilhões de anos, ao passo que a Vida geral veio logo
depois, há 3,8 bilhões de anos. Menos de 800 milhões de anos depois, logo que a
Terra deu uma esfriadinha, lá estava a Vida grudada – e não soltou mais, por
mais que tenha sofrido tragédias. Depois, lembre-se que a atmosfera era
venenosa, irrespirável, intragável, e foi TOTALMENTE transformada, de modo que,
como Sagan notou, não é preciso vir aqui, é só descobrir traços de oxigênio.
Como
a Terra tem 5,98. 1024 kg, ou seja (havendo mil quilogramas numa
tonelada), cerca de 6.1021 ton – tomemos como 1022 ton.
Um ser humano pesa, digamos na média, uns 60 kg, de maneira que uns 17 de nós
caberiam numa tonelada. Os 6 bilhões de nós em 360 milhões de toneladas, 4.108
ton. Se imaginarmos que precisamos de mil toneladas de vida para sustentar cada
um de nós, o total da Vida na Terra seria de cerca de 4.1011,
digamos 1012 ton. Dividindo os dois valores, 1022/1012
= 1010 = 10.000.000.000, e não um bilionésimo, um décimo bilionésimo
ou menos.
Acontece
que essa “insignificante película” não pode ser medida pela quantidade de
matéria e de energia que a compõe, e sim pelo extraordinário, avançadíssimo
processamento que faz, em termos de avanços nas pirâmides, como mostrei no
modelo. Essa película, que nada tem de insignificante, avançou a ponto de
comprometer a camada de ozônio e de poder ter destruído a Vida inteira milhares
de vezes com as ogivas nucleares.
Fez
“coisas do arco da velha”, como diz o povo, no caso humano em apenas 10 mil
anos de civilização. É como aqueles que queriam medir o valor do indivíduo
humano pelo peso de seus componentes moleculares, e pela dificuldade de obter
carbono, oxigênio, hidrogênio e outros componentes na farmácia da esquina. Não
se trata de estarem distantes de Deus, estão mesmo incapacitados a compreender
o magnífico projeto que é a Vida, e o quanto ele avançou com tal
“insignificante película”.
Insignificantes,
diria eu, são essas pessoas. Mas não quero dizer, porque para algo foram úteis.
Vitória,
terça-feira, 05 de novembro de 2002.
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