quarta-feira, 31 de agosto de 2016


Vodu pelos Correios

 

Nicanor recebeu pelos correios encomenda que, quando aberta, era uma caixa de 12 cm de comprimento por 8 de largura por 4 de altura, uma estranha série matemática. Muito perfeitinha, lindinha mesmo, uma pérola.

Não estava aparafusada, não tinha dobradiça, não estava colada, era encaixada dos lados e embaixo e tinha uma tampa que se encaixava perfeitamente. Encaixava perfeitamente é apelido, era muita perfeição, tinha sido muito bem feita.

Dentro havia um bonequinho de pano, caprichosamente construído.

Tanto a caixa quando o boneco, tinham uma dessas etiquetas, como marca de camisa ou de calça ou do que seja confeccionado, junção de um V com uma bola acima e um A com uma bola em baixo, AV, escrito logo abaixo Arte Vodu. Artístico, sem dúvida alguma, de elevada beleza.

Vodu, claro, Nicanor sabia o que era.

E o bonequinho tinha não um retrato, mas um desenho primoroso dele, Nicanor. Espetados em diversas partes do corpo estavam vários pequenos alfinetes, bem curtinhos, com cabeças de várias cores: um no que seria o pulso direito, com o número 1 bem miudinho, mas visível. Outro na perna esquerda com o número 2. Um no meio das nádegas com o número 3. Um na cabeça com o número 4. E o quinto, pasme, no coração, número 5.

- Isso é um absurdo – disse Nicanor.

Mas, pelo sim e pelo não, imediatamente ligou para o Nestor, delegado seu amigo.

- Não podemos fazer nada Nicanor, porque oficialmente a Magia não existe. Os terreiros foram sancionados como parte dos rituais afro-brasileiros já faz tempo e esse culto, em particular, é muito bem-quisto por certos políticos bem altos (em off: vou te dizer, quando digo altos são altos mesmo).

- Porra, Nestor, vou me deixar intimidar assim?

- Posso dar uma passada por lá, mas quero te adiantar que vai dar em nada, podes crer.

Dito e feito, não deu em nada mesmo. Aliás, o Dr. Nestor, advogado e delegado, homem instruído, não acreditava nessas coisas, mas por via das dúvidas evitou ser rude, pois não é da educação agir assim, em especial por ser ele homem da lei.

Uma semana depois a mão de Nicanor dobrou no pulso, endureceu e caiu definitivamente, não quis voltar ao lugar de jeito nenhum. Não houve doutor que desse jeito e eles consultou cinco, um por dia.

Na segunda semana a perna de Nicanor deu um tranco, uma travada legal mesmo e ele ficou semi-paralítico. Nicanor entrou em pânico. Ele, que não ia há igreja já há 16 anos de repente lembrou-se de Deus e passou a ir todos os dias, mesmo arrastando a perna e de taxi, pois não podia mais dirigir. Tirou licença média e conduzia os negócios por telefone e Internet.

Na terceira semana as hemorróidas estouraram e com isso Nicanor endoidou de vez. Começou a chorar. Vivia aos prantos, o que era muito doloroso para todos que o conheciam, porque antes da chegada do bonequinho Nicanor era homem altivo, orgulhoso, pomposo até. Empinadinho.

Na quarta semana Nicanor teve um colapso nervoso agudo e foi internado por dois dias. O cabeção pirou de vez. No terceiro dia, levado de maca para casa, Nicanor ligou debulhado em lágrimas para a AV e conversou longamente com o chefe da empresa cujo lema era Responsabilidade e Responsabilização: Aqui Você Faz e Aqui Você Paga.

Primeiro eles foram visitar Nicanor para passes de defumação.

Depois Nicanor foi, todo faceiro e já de cadeira de rodas, à AV.

Ficou lá três dias. Pessoas foram visitá-lo, conversaram muito, Nicanor pediu sentidas desculpas e voltou pra casa quase curado.

Nicanor nunca mais foi o mesmo.

Daí pra frente ele tornou-se assíduo freqüentador da igreja, mas também ira ao terreiro “fazer obra de caridade”. Toda semana ia visitar a parte ofendida e pedia desculpas “de coração”.

Vitória, segunda-feira, 14 de junho de 2010.

Nenhum comentário:

Postar um comentário