A Carta
Godofredo brigou com o pai e o pai com
ele, o pai saiu batendo o pé, ele ficou amuado, decidiu mandar um email
“esculachando o velho”, depois achou deselegante, algo de muito distante.
Pensou em ir lá, mas do jeito que estava não poderia se arriscar, eles talvez
“se pegassem”, mais constrangedor ainda na presença da mãe.
Melhor escrever carta ao modo antigo.
Escreveu, foi à caixa dos Correios,
colocou pelo buraco, ia voltando, começou a pensar. Tinha colocado umas
palavras bem duras, como “velho implicante” e outras ainda piores. O que iam
pensar os irmãos? E a mãe? E a parentada toda enchendo o saco? E o próprio pai?
Se ele tinha 37 e era o mais novo o pai já estava com 75 ou 77, não conseguia
se recordar.
Puta merda, que horrível.
Que cagada, gente!
O velho vai ficar amargurado, pode
passar mal, no final das contas ele o amava muito, o pai só estava
envelhecendo, estava velho, merecia paz.
“Vou buscar a carta”.
Foi.
Chegou lá, meteu a mão pelo buraco, o
pessoal ficou olhando, foi juntando gente, chegou o coletor de correspondência.
- Que é que você tá fazendo?
- Tou tentando pegar uma carta minha.
- Como vou saber que é sua?
- Estou dizendo.
- E se eu disser que aí dentro tem um
jacaré, será verdade?
- Não, porque um jacaré não cabe na
caixa, uma carta, sim.
- Como vou saber que a carta é sua?
- Porque o destinatário é meu pai e o
remetente sou eu, você pode ver pela minha identidade.
Realmente, o carteiro abriu e
constatou q1ue assim era. Enquanto isso foi aglomerando gente, os policiais
chegaram.
- Primeiro que viola o artigo 75,
parágrafo terceiro mexer em caixas dos Correios. É violação também. Segundo,
você poderia ter preparado a carta para poder pegar correspondência alheia.
Os guardas se aproximaram.
- Que é que tá pegando?
O carteiro contou.
- O senhor é violador de
correspondência alheia?
- Não, senhor, já contei tudo ao
carteiro.
- Vamos pra delegacia explicar pro
delegado.
- Mas, seu guarda, pra que isso?
- Vai me desafiar?
- Não, senhor.
- O senhor também vai, carteiro.
Foram todos. Chegaram lá, os guardas
explicaram a seu modo. O delegado, que estava de mau humor, mandou abrir um BO
(boletim de ocorrência). Contou tudo do seu jeito e aproveitou para encarcerar
o Godofredo, permitindo que ele comunicasse à família.
Veio o pai, pressuroso, a mãe chorosa,
dois irmãos, a irmã grávida depois dos 40 foi desaconselhada, pois poderia
perder o bebê. Em compensação veio o idiota do cunhado advogado de porta de
cadeia.
- Deixa que daqui eu assumo tudo.
Foi, com a falta de jeito de sempre,
falar com delegado, se desentenderam, o delegado o encarcerou em sela especial.
O caso foi a julgamento, o cunhado
insistiu em defendê-lo, o juiz lhe deu 10 meses, dois de cumprimento de pena,
oito em regime aberto. Godofredo perdeu o emprego, porque a firma não podia
lidar com alguém que tinha se tornado prisioneiro. Ele ficou mal falado na
vizinhança, a esposa o abandonou, voltou para a casa da mãe, levou as crianças
e depois pediu o divórcio.
Quando saiu, desempregado e sem
apartamento teve de ir morar com o pai e a mãe, que foram extremamente
compreensivos, “claro, meu filho”, fazendo-o sentir-se ainda pior.
“Malditas palavras”, Godofredo vivia
batendo a cabeça nas paredes.
Serra, domingo, 19 de fevereiro de
2012.
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