Trabalhadores de Meio Período
A entrevistadora foi chegando.
- Com licença, vocês que são os trabalhadores
de meio período?
- Somos sim. E a senhora quem é?
- Mafalda, NCC.
- Que é NCC?
- Novo CC.
- Ah.
- E vocês?
- Sou o Maurício.
Vai apontando.
- O Nando e o Cacá.
- Prazer.
- O que a senhora quer?
- Vim entrevistar vocês. Já entrevistei os
outros trabalhadores de meio período.
- Aqueles nojentos, diz Nando.
- Por quê, nojentos?
- São uns bostas, eles se acham importante só
porque terminam a frase.
- Bem, não quero fofocar, mas eles disseram o
mesmo de vocês, chamaram vocês de nomes horríveis.
- Depois nós vamos lá nos entender com eles,
diz Maurício, não é, pessoal?
- Claro, deixar batido é que não vamos, dizem
os outros dois.
- São uns filhos de porca, de ronca e fuça, a
mãe deles come lixo - ajunta Cacá destemperado. - Só porque colocam o ponto
final na frase se acham TAXI.
- Taxi?
- É, os tais-que-se-acham.
- Qual a importância de colocar o ponto
final? Eles acreditam que estão definindo a frase, só porque podem
encompridá-la ou subitamente terminá-la sem mais nem menos. Já saíram umas
titicas sem pé nem cabeça. Nós estamos conduzindo num sentido e eles levam pra
outro, é de deixar qualquer um careca puxando os cabelos.
- Mas eles dizem que vocês começam umas
frases sem que nem pra que, só pra fazer firula e se mostrarem importantes.
- Aqueis fidaputa.
- O senhor é mineiro?
- Sim, como a senhora percebeu?
- De onde saiu essa rixa?
- A senhora não ficaria aborrecida? Pense
numa frase com número par de palavras, dá tudo certo, mas se é ímpar fica
difícil, não é, com quem fica a palavra do meio? Aqueles cornos tão sempre
querendo pegar. Nós já tivemos uns pegas legais com eles.
- Mas para fazer frases que tenham algum
sentido vocês não têm que ser meio parecidos, tipo assim irmãos siameses?
- Cruzes, dona, sai pra lá, irmãos daqueles
trapos? Tá bem que nosso pai é o mesmo deles, mas chamar de irmãos é ir um
pouco longe demais, não é?
- Mas filhos do mesmo pai não são irmãos?
- Bem, vamos deixar isso de lado. Nós somos
mais importantes PORQUE começamos a frase, compreende? Temos que atentar para o
diálogo, pegar o fim da frase anterior e começar uma nova. É meio assim como
que um repente, entende? Somos nós que ditamos o rumo, NÓS QUE COMEÇAMOS,
compreendeu? Ou tá difícil? Eles só vêm atrás carregando no mesmo rumo: que
importância pode ter seguir os outros?
- Sim, entendo, mas não vejo como uns podem
ser mais importantes que outros.
- Olha, moça, acho que nós vamos terminar por
aqui, entende? Estamos indo a uma conferência dos Princípios.
- Que princípios?
- Princípios de Período, claro, que tipo de
jornalista é a senhora?
Serra, sábado, 15 de maio de 2010.
Nenhum comentário:
Postar um comentário