quarta-feira, 31 de agosto de 2016


Trabalhadores de Meio Período

 

A entrevistadora foi chegando.

- Com licença, vocês que são os trabalhadores de meio período?

- Somos sim. E a senhora quem é?

- Mafalda, NCC.

- Que é NCC?

- Novo CC.

- Ah.

- E vocês?

- Sou o Maurício.

Vai apontando.

- O Nando e o Cacá.

- Prazer.

- O que a senhora quer?

- Vim entrevistar vocês. Já entrevistei os outros trabalhadores de meio período.

- Aqueles nojentos, diz Nando.

- Por quê, nojentos?

- São uns bostas, eles se acham importante só porque terminam a frase.

- Bem, não quero fofocar, mas eles disseram o mesmo de vocês, chamaram vocês de nomes horríveis.

- Depois nós vamos lá nos entender com eles, diz Maurício, não é, pessoal?

- Claro, deixar batido é que não vamos, dizem os outros dois.

- São uns filhos de porca, de ronca e fuça, a mãe deles come lixo - ajunta Cacá destemperado. - Só porque colocam o ponto final na frase se acham TAXI.

- Taxi?

- É, os tais-que-se-acham.

- Qual a importância de colocar o ponto final? Eles acreditam que estão definindo a frase, só porque podem encompridá-la ou subitamente terminá-la sem mais nem menos. Já saíram umas titicas sem pé nem cabeça. Nós estamos conduzindo num sentido e eles levam pra outro, é de deixar qualquer um careca puxando os cabelos.

- Mas eles dizem que vocês começam umas frases sem que nem pra que, só pra fazer firula e se mostrarem importantes.

- Aqueis fidaputa.

- O senhor é mineiro?

- Sim, como a senhora percebeu?

- De onde saiu essa rixa?

- A senhora não ficaria aborrecida? Pense numa frase com número par de palavras, dá tudo certo, mas se é ímpar fica difícil, não é, com quem fica a palavra do meio? Aqueles cornos tão sempre querendo pegar. Nós já tivemos uns pegas legais com eles.

- Mas para fazer frases que tenham algum sentido vocês não têm que ser meio parecidos, tipo assim irmãos siameses?

- Cruzes, dona, sai pra lá, irmãos daqueles trapos? Tá bem que nosso pai é o mesmo deles, mas chamar de irmãos é ir um pouco longe demais, não é?

- Mas filhos do mesmo pai não são irmãos?

- Bem, vamos deixar isso de lado. Nós somos mais importantes PORQUE começamos a frase, compreende? Temos que atentar para o diálogo, pegar o fim da frase anterior e começar uma nova. É meio assim como que um repente, entende? Somos nós que ditamos o rumo, NÓS QUE COMEÇAMOS, compreendeu? Ou tá difícil? Eles só vêm atrás carregando no mesmo rumo: que importância pode ter seguir os outros?

- Sim, entendo, mas não vejo como uns podem ser mais importantes que outros.

- Olha, moça, acho que nós vamos terminar por aqui, entende? Estamos indo a uma conferência dos Princípios.

- Que princípios?

- Princípios de Período, claro, que tipo de jornalista é a senhora?

Serra, sábado, 15 de maio de 2010.

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