Reunião da Família Serra
- O tio Serròte já chegou?
- Já, mas essa viagem da França foi
particularmente cansativa. Nem sei se ele vai vir na parte da manhã.
-Vai, sim, olhe ele ali.
Grita.
- Ei, tio, tioo. Aqui.
Levanta a mão, abanando para chamar atenção.
O tio vê e vem.
- Hei, garrotada (o tio Serròte fala
arrastado).
- Vai querer o quê, tio?
- Tem vinho?
- Tem.
Pega uma garrafa e três copos do garçom que
vai passando.
- Conta as novidades, tio. E aquele lance com
os americanos? Que é isso de vocês agora em todo filme americano serem
achincalhados?
O tio fica meio constrangido, mas bebendo vai
soltando o verbo.
- [traduzido do portofranco, mistura de
português com francês] O Bush é uma merda, o Rumsfeld é outra, o Chaney é
outro. Historicamente a gente sempre apoiou os americanos, desde a revolução
deles, contra a Inglaterra. Agora adulam a metrópole e castigam a gente. Uns
titicas. Aquela coisa do Iraque era mentira, tudo invenção, sem falar que a
Coisa das Duas Torres está mal explicada. Eu que falo assim, foi tudo
preparado.
Vai passando o garçom, pegam mais duas
garrafas, uma de uísque e outra de vinho, e três outros copos.
O tio se vira para o outro rapaz.
- Quem é você?
- A gente não se vê faz tempo, sou o Serra
Fita, fui pra Amazônia e estou acabando com aquilo lá. Tou arrasando, tio. O
senhor não me vê desde pequeninho.
- Tem filhos?
- Tenho, o Serrinha, que é o mais novo, é o
Júnior, a Lima, que é a do meio e o Serra de Arco, que é o mais velho e já está
serrando na universidade. Trapaceiro que só ele, puxou ao pai, diz que vai ser
deputado lá em Brasília.
- Deus queira, vida garantida roubando o
povo.
- Sempre o mesmo tio - diz o outro sobrinho
todo feliz.
O tio se vira, olhando ao redor.
- Cadê seu pai, o Grupião?
- Papai acha de serrar até nos domingos, tá
lá engrupindo o governo na contabilidade. Sonegação purinha!
- Esse é o meu irmão. Depois que vocês vieram
pro Brasil se deram bem pra danar, né?
- Nem me fala.
- Cadê sua irmã?
- A Lixa?
- Sim.
- Sei lá, tá fazendo as unhas do namorado.
- Cadê Rebolo?
- Mamãe tá lá na cozinha, quer que eu chame?
- Quando eu saí procurei por ela, ela estava
aqui fora.
- É, na hora que o senhor ia saindo ela
entrou pra preparar os comes-e-bebes, os tira-gostos.
- Ela tá no governo, ainda?
- Tá, quase aposentando. Ajudou papai pra
caramba a roubar, com informações privilegiadas de dentro.
- Todo mundo faz isso. E a Lixa, já lançou os
discos?
- Já, vários discos de Lixa. Disco de corte,
vários. Ela mesma pirateia os discos da gravadora, pra espalhar as músicas ao
máximo e faturar nos shows.
- Muito gente boa, essa sua irmã. Desse jeito
ela vai longe.
- E o seu irmão, o Serrão?
- Fez engenharia mecânica e colocou uma
indústria de serras automáticas, tá indo de vento em popa. Fez sociedade com o
Serra Fita e tão acabando com Rondônia. Alta tecnociência, serras robotizadas.
- E você, me conta.
- Entrei pra política, tou serrando quanto
posso. Tou querendo ser presidente da empresa, a Serra Brasil, que é de papai,
mas o velho não quer se aposentar. Quer continuar mamando.
- Serra, vê lá, hein, não vá dar bandeira.
Faz, mas faz bem-feito, não faz que nem o Lulambão.
- Não, que isso, tio? Afinal de contas tenho
a quem puxar.
- É, mas não puxa o meu.
Riem de doer a barriga e saem para ir à
piscina.
Serra,
sábado, 01 de maio de 2010.
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