terça-feira, 30 de agosto de 2016


Reunião da Família Serra

 

- O tio Serròte já chegou?

- Já, mas essa viagem da França foi particularmente cansativa. Nem sei se ele vai vir na parte da manhã.

-Vai, sim, olhe ele ali.

Grita.

- Ei, tio, tioo. Aqui.

Levanta a mão, abanando para chamar atenção. O tio vê e vem.

- Hei, garrotada (o tio Serròte fala arrastado).

- Vai querer o quê, tio?

- Tem vinho?

- Tem.

Pega uma garrafa e três copos do garçom que vai passando.

- Conta as novidades, tio. E aquele lance com os americanos? Que é isso de vocês agora em todo filme americano serem achincalhados?

O tio fica meio constrangido, mas bebendo vai soltando o verbo.

- [traduzido do portofranco, mistura de português com francês] O Bush é uma merda, o Rumsfeld é outra, o Chaney é outro. Historicamente a gente sempre apoiou os americanos, desde a revolução deles, contra a Inglaterra. Agora adulam a metrópole e castigam a gente. Uns titicas. Aquela coisa do Iraque era mentira, tudo invenção, sem falar que a Coisa das Duas Torres está mal explicada. Eu que falo assim, foi tudo preparado.

Vai passando o garçom, pegam mais duas garrafas, uma de uísque e outra de vinho, e três outros copos.

O tio se vira para o outro rapaz.

- Quem é você?

- A gente não se vê faz tempo, sou o Serra Fita, fui pra Amazônia e estou acabando com aquilo lá. Tou arrasando, tio. O senhor não me vê desde pequeninho.

- Tem filhos?

- Tenho, o Serrinha, que é o mais novo, é o Júnior, a Lima, que é a do meio e o Serra de Arco, que é o mais velho e já está serrando na universidade. Trapaceiro que só ele, puxou ao pai, diz que vai ser deputado lá em Brasília.

- Deus queira, vida garantida roubando o povo.

- Sempre o mesmo tio - diz o outro sobrinho todo feliz.

O tio se vira, olhando ao redor.

- Cadê seu pai, o Grupião?

- Papai acha de serrar até nos domingos, tá lá engrupindo o governo na contabilidade. Sonegação purinha!

- Esse é o meu irmão. Depois que vocês vieram pro Brasil se deram bem pra danar, né?

- Nem me fala.

- Cadê sua irmã?

- A Lixa?

- Sim.

- Sei lá, tá fazendo as unhas do namorado.

- Cadê Rebolo?

- Mamãe tá lá na cozinha, quer que eu chame?

- Quando eu saí procurei por ela, ela estava aqui fora.

- É, na hora que o senhor ia saindo ela entrou pra preparar os comes-e-bebes, os tira-gostos.

- Ela tá no governo, ainda?

- Tá, quase aposentando. Ajudou papai pra caramba a roubar, com informações privilegiadas de dentro.

- Todo mundo faz isso. E a Lixa, já lançou os discos?

- Já, vários discos de Lixa. Disco de corte, vários. Ela mesma pirateia os discos da gravadora, pra espalhar as músicas ao máximo e faturar nos shows.

- Muito gente boa, essa sua irmã. Desse jeito ela vai longe.

- E o seu irmão, o Serrão?

- Fez engenharia mecânica e colocou uma indústria de serras automáticas, tá indo de vento em popa. Fez sociedade com o Serra Fita e tão acabando com Rondônia. Alta tecnociência, serras robotizadas.

- E você, me conta.

- Entrei pra política, tou serrando quanto posso. Tou querendo ser presidente da empresa, a Serra Brasil, que é de papai, mas o velho não quer se aposentar. Quer continuar mamando.

- Serra, vê lá, hein, não vá dar bandeira. Faz, mas faz bem-feito, não faz que nem o Lulambão.

- Não, que isso, tio? Afinal de contas tenho a quem puxar.

- É, mas não puxa o meu.

Riem de doer a barriga e saem para ir à piscina.
Serra, sábado, 01 de maio de 2010.

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